Ainda há muita estrada para andar na liberdade de imprensa

Não sou favorável a este feminismo bacoco e de pacotilha que usa o argumento do género para criticar o que não deveria ser criticado. Porquê? Pasme-se! Porque estamos numa sociedade democrática.

Imaginem a vice-presidente da Comissão Europeia a criticar publicamente – e negativamente – uma jornalista que tivesse escrito sobre a Ursula von Der Leyen, procurando pôr-lhe um rótulo (ou vários) e pondo em causa a sua independência e isenção profissional. Ainda para mais, nas redes sociais. E depois imaginem a própria da dirigente da mesma Comissão Europeia a concordar – também nas redes sociais, na página não oficial sequer – dizendo que “andamos muito preocupados com o que se passa no Irão mas olhamos pouco para o que se passa cá dentro… é que há muitas formas de silenciar as mulheres!”.

Isso seria normal? Ninguém diria nada? Não haveria consequências? Não devemos saber os lugares que ocupamos e as responsabilidades adjacentes a esses mesmos cargos, incluindo alguma dignidade institucional e respeito pela liberdade de imprensa?

Pois então, esta sexta-feira, a número dois da Ordem dos Advogados, Lara Roque de Figueiredo, decidiu criticar esta jornalista que vos escreve – em formato, agora, de artigo de opinião (sabem a diferença entre isso e uma peça jornalística?) – por ter ousado escrever uma peça – repito, jornalística – em que explanava a troca de recados e críticas entre o presidente da ASAP (que representa as sociedades de advogados de Portugal) e a bastonária da Ordem dos Advogados. Logo veio a própria da senhora bastonária concordar com o seu braço direito – igualmente no facebook – dizendo, ou comparando-se, às mulheres vítimas no Irão, dizendo que está a ser alvo de uma tentativa de silenciamento.

Portanto, uma jornalista mulher escreve uma peça jornalística sobre um facto que interessa aos leitores alvo da Advocatus e é atacada por não ser feminista. Mais: é comparada às autoridades iranianas que continuam a intensificar esforços para eliminar os direitos fundamentais das mulheres. Não fosse um assunto sério (a limitação de direitos fundamentais das mulheres em pleno século XXI) e daria para rir. E muito.

“Infelizmente, a nossa Ordem tem-se comportado, neste e noutros assuntos relevantes, com um voz mais sindical do que de uma verdadeira Associação Pública de todos os advogados, não potenciando a discussão de modelos alternativos, nem elevando a dignidade da profissão”, disse o presidente da ASAP, José Luís Moreira da Silva. “A OA não pode deixar de lamentar e repudiar as declarações do Senhor Presidente da ASAP, que lançam publicamente um anátema sobre toda a Advocacia que se empenha abnegadamente para assegurar o bom funcionamento do sistema”, disse a bastonária. Se isto não é tensão entre estes dois organismos, não sei o que será. E sim, nós, mulheres, também temos momentos de tensão.

No meio deste frenesim facebookiano onde dirigentes de cargos de uma instituição centenária explanam os seus ódios e frustrações, chamaram ainda à colação um artigo de opinião escrito a 1 de outubro deste ano, com o título “a bastonária e o rasgar das vestes” em que se escreveu que “a bastonária dos Advogados tem de aprender a lidar melhor é com a crítica. Porque isso também faz parte dos valores democráticos”. Pois então, pergunto-me, pergunto-vos : quem está na vida pública tem ou não de se sujeitar às críticas, ao invés de cunhar as pessoas com processos de intenção só porque não aplaudem o que fazem?

Mas o Conselho Geral da Ordem dos Advogados não ficou por aqui. Desde esse mesmo dia de 1 de outubro em que a dita jornalista decidiu escrever a prosa opinativa, foi barrada/censurada/bloqueada/removida dos grupos fechados nas redes sociais – dedicados à advocacia – e em que estava inscrita há cerca de cinco anos. O timing não foi coincidência, tendo em conta que falamos (só e apenas) de grupos criados pela trupe da atual bastonária. A razão/justificação que lhe foi dada (à jornalista) foi a de que “este é um grupo reservado a advogados”. Curioso só terem acordado para esse facto agora, e não nos anos anteriores.

Continuando na senda da censura, na revista de imprensa do site da Ordem dos Advogados – atualizada diariamente – apenas estão representadas as notícias favoráveis ao atual Conselho Geral. Reparem, vão lá, confirmem. Mais: da Advocatus, apenas escolheram divulgar – desde o referido artigo de opinião – uma peça com o título “Tribunal decide a favor da Ordem dos Advogados e suspende portaria do Governo sobre advogados oficiosos”. Curiosamente um artigo que depois veio a ser praticamente desmentido. E curiosamente sem referenciar que era uma notícia da Advocatus, como nas outras notícias referenciadas.

E continuando… junto o post escrito por Lara Roque de Figueiredo em que refere que “quando as mulheres têm opinião, quando demonstram força e quando defendem de forma intransigente aquilo em que acreditam, são muitas vezes conotadas como bélicas, exageradas e criadoras de momentos de tensão! Se fossem homens eram corajosos, preponderantes, importantes, mas como são mulheres tendem a ser adjetivadas de forma pouco positiva. Nada contra, mas choca-me que uma mulher jornalista, pela segunda vez, dê a sua opinião em forma de notícia e que passe esta ideia errada sobre outra mulher. Infelizmente ainda temos muita estrada para andar!”. Portanto, nós mulheres, em defesa dos nossos direitos, devemos sempre concordar umas com as outras. Se não o fizermos, estamos a violar esses mesmos direitos. Mal de nós, mulheres, se assim fosse.

Para terminar, agora na primeira pessoa, devo dizer que estou de consciência tranquila quanto ao meu feminismo. Pauto-me pelo movimento social por direitos civis que desde sua origem reivindica a igualdade política, jurídica e social entre homens e mulheres. Não sou favorável a este feminismo deslumbrado, bacoco e de pacotilha que usa o argumento do género para criticar o que não deveria ser criticado. Porquê? Pasme-se! Porque estamos numa sociedade democrática, em que a liberdade de imprensa prevalece.

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