Amanhã é outro dia
Se me perguntam o que podem as empresas fazer pelas mulheres? Podem respeitá-las enquanto profissionais. Podem dar-lhes condições para que não tenham de escolher entre ter uma família ou uma carreira.
É comum perguntarem às crianças o que querem ser quando forem grandes. Lembro-me que a minha resposta foi sempre a mesma: quero ser Astrofísica para perceber como as estrelas, as galáxias e o Universo funcionam. Para isso, entrei no curso de Física da FCUL em 2001. Éramos muitos. Entre as dezenas que enchiam os anfiteatros do C3 e C1, poucas raparigas se viam. No meu ano entramos quatro, mais outras tantas do curso de Geofísica e uma ou duas na vertente de Ensino.
Este ano parece que foi renhido! Em 50 vagas para o curso de Física entraram 28 rapazes e 22 raparigas. Já em Engenharia Informática, os números são desapontantes: em 116 lugares apenas 14 foram ocupados por mulheres. Com estes números na Universidade, que é o ponto de entrada para a vida profissional, não é de admirar que exista uma escassez de mulheres na área das Tecnologias.
Sempre soube que o meu caminho passava pelas STEM – a sigla inglesa para Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática – e apesar do destino me ter afastado duma vida na Ciência, acabou por trazer-me para Tecnologia.
Deparei-me com vários desafios ao longo da minha carreira. Uma das maiores – e mais difíceis – decisões que tive de tomar foi a de trocar de trabalho. E fi-lo num contexto em que poucas ousariam. Estava grávida quando um amigo me convidou a arriscar a ida a uma entrevista. “Mas quem é que vai contratar uma mulher grávida?”, perguntei eu. A minha empresa actual fê-lo. Em mim viram uma profissional com potencial para contribuir para os objectivos a longo prazo da empresa. Mas não ficamos por aqui.
A maternidade trouxe imensos desafios e fez-me cruzar experiências com inúmeras mulheres trabalhadoras, não só da área da Tecnologia. Uma realidade que muitas mães enfrentam é a de voltar ao trabalho aos cinco meses de vida do seu bebé, quando este ainda pode depender de si para a sua alimentação. Conheço mulheres que extraíram leite para seus bebés em casas de banho, em salas de reunião fechadas, no seu gabinete em silêncio ou no banco de trás do seu carro na garagem do escritório. No meu escritório, a equipa que gere o nosso bem-estar arranjou uma sala fechada e dotou-a de condições para que eu – e as que viriam a seguir a mim (o COVID trouxe-nos a todos para casa, ainda estamos no conforto e segurança dos nossos lares) – pudesse extrair leite confortavelmente para alimentar o meu bebé. Os meus colegas e chefes sempre fizeram questão de me fazer cumprir o horário reduzido de amamentação. “Amanhã é outro dia”, diziam-me eles. E eu saía do trabalho para ir buscar o miúdo à creche a tempo e horas.
Colegas minhas contam-me que, durante os seus processos de entrevista noutras empresas, tiveram de responder à pergunta: “Então, e pensa ter filhos em breve?”. É curioso que os meus colegas do sexo oposto me dizem nunca terem sido confrontados com esta pergunta.
Se me perguntam o que podem as empresas fazer pelas mulheres? Podem respeitá-las enquanto profissionais. Podem dar-lhes condições para que não tenham de escolher entre ter uma família ou uma carreira. Especialmente agora, em tempos de pandemia e teletrabalho, vejo muitas amigas a comentar que estão a trabalhar mais do que o horário de trabalho estipula. “Mas há coisas para fazer”, dizem-me elas. Pois há, mas “amanhã é outro dia”.
Nota: a autora escreve ao abrigo do antigo acordo ortográfico.
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