América Expresso

A América de Biden está mais perto. Uma América que não esteja em conflito com o seu passado. Uma nova América depois da Grande Humilhação Eleitoral.

Duas Américas, dois Presidentes. A fórmula não é politicamente possível, mas na realidade este é o real resultado das eleições. Seja pela Grandeza, seja pela Alma, a América está assombrada pela identidade da Nação, um Império que se observa no cortejo dos votos e pode constatar que a imagem do povo escolhido não passa de uma ficção política, o mito desfeito da Nação eleita como guardiã da grande “arca da liberdade”. Pelo efeito das divisões, pelo efeito devastador de um sistema eleitoral babilónico e obsoleto, as eleições não têm vestígio de Grandeza e revelam aos olhos do Mundo uma América dividida e dilacerada na Alma.

Seja Biden o grande reconciliador, seja Trump o grande agitador, a América dispersa para o Mundo a imagem de uma potência acossada pela sua própria política, cansada e esgotada no respeito pelo precedente da Constituição e entregue ao tribalismo mais sofisticado que pode existir no Ocidente. A questão da validade e da extensão dos valores da América, seja em termos económicos, seja em termos políticos, estão longe do grande desígnio do “Destino Manifesto”, pela simples razão de que o que é visível no ciclo interminável de notícias é o manifesto de uma Nação sem destino.

Os partidos que alimentam e mantêm o consenso das normas e das regras estão transformados em facções antagónicas, estão configurados como Movimentos Populares e não como Organizações Políticas Institucionais. Só este facto explica a deriva autoritária de Trump e a frágil concisão de Biden. Em nenhum dos candidatos há a respiração de um Futuro Maior, em nenhum dos Presidentes há a Grande Visão para um Século XXI na tradição colossal tão ao gosto da América. O tema da Eleição mais parece uma litigação entre duas Américas que partilham a mesma geografia mas que rejeitam a ideia de uma Comunidade de Destino. O Sonho Americano que é a diagonal política entre todas as tribos da América está transformado na Grande Conspiração que domina e oprime os alicerces da Fundação dos Estados Unidos.

Na nova planície americana não existem pontes políticas, não existe o respeito pela opinião contrária automaticamente transformada em crime e revelação de uma ambição dominante. O estranho fenómeno da política da América é o desaparecimento do “Centro Vital”, de tal modo que o discurso político oscila entre duas versões radicais de uma ideia de Política da Identidade.

À Esquerda, uma política da identidade centrada no movimento “woke”, nos direitos das minorias negra e latinas contra a supremacia branca, no reconhecimento da dignidade das reivindicações LGBTQ+, no predomínio da ideia de uma América urbana como a nova pátria da Justiça Social inclusiva e do Novo Socialismo.

À Direita, uma política da identidade centrada na clássica filiação da classe operária branca, alicerçada na elevação do olhar promovido pelo respeito da Religião, garantida pelo espírito de uma coesão comunitária e contra a imigração, uma projecção exclusiva do espírito fundador da América, de matriz rural e latitude Continental. Estes dois Arquipélagos existem como placas tectónicas no imenso Oceano que ameaça permanentemente a coesão e a consistência de uma Nação Indispensável mas que enfrenta a inconsistência de uma profunda crise.

Se Trump representa uma política da identidade à Direita, Biden pretende o restabelecimento do “Centro Vital”, e como Presidente deverá ser o Novo Engenheiro da Alma da América, reconstruindo as pontes, as estradas, as infra-estruturas institucionais que mantêm a fábrica política da América. No entanto, um futuro Presidente Biden estará sistematicamente sob o fogo cruzado das identidades à Esquerda e das identidades à Direita. Seja pelos motins, incêndios e pilhagens nas ruas da América; seja pelos tapetes feitos de cristal de vidro que cobrem com um brilho celestial as alamedas dos subúrbios iluminadas por SUVs de luxo em chamas. As políticas da identidade espalham o vírus de uma terceira emancipação.

O futuro Presidente Biden terá ainda de enfrentar a sombra de todas as Teorias da Conspiração. O Síndrome da Conspiração é parte constitutiva da identidade da América. A obsessão pela Conspiração, comum às políticas da identidade à Esquerda e à Direita, é uma visão política que, depois de abandonar Deus, depois de observar a ausência de Deus, afirma imediatamente que o desígnio divino é substituído por interesses velados, grupos de pressão, ingerências externas, traições internas.

A convicção e a suspeita projectada sobre espectros poderosos e desconhecidos justificam os acontecimentos políticos que não têm explicação ou escapam ao horizonte sectário e limitado das facções radicais e auto-referenciadas como moralmente superiores. A vitória de Biden é para os eleitores de Trump a prova inequívoca da existência de uma Conspiração. A vitória de Trump seria sempre vista pelos sectores radicais da política da identidade à Esquerda como a comprovação científica de uma secreta Conspiração. A América está neste momento na vertigem de uma espiral infinita entre a Conspiração e a Contra-Conspiração.

A América de Biden está mais perto. Uma América que não esteja em conflito com o seu passado. Uma América que não promova o choque de civilizações no centro da sua identidade. Uma nova América depois da Grande Humilhação Eleitoral.

Nota: Por opção própria, o autor não escreve segundo o novo acordo ortográfico

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