América Latina, um século de declínio e um aviso a Portugal
A América Latina não consegue ser uma região desenvolvida e está em declínio relativo há décadas. A visita do Presidente do Brasil alerta-nos para vários perigos.
A visita do Presidente do Brasil ajudou-nos a compreender porque é que a América Latina não consegue ser uma região desenvolvida e está em declínio relativo há décadas. E como o nível de vida em Portugal está mais próximo desta região do que dos países mais desenvolvidos, é mais um alerta para que Portugal altere o rumo seguido nos últimos 20 anos.
O declínio relativo da América Latina é comprovado pela comparação com Portugal da evolução do nível de vida médio das populações (ver tabela e gráfico – o atraso é ainda mais evidente quando comparado com os EUA). Face a Portugal, a América Latina melhorou a sua posição na primeira república e até ao final dos anos 1930, altura em que tinha um nível de vida superior. Mas após a Segunda Guerra iniciou o declínio que durou até ao fim do século XX.
Apenas nas duas primeiras décadas do século XXI, em que a economia portuguesa estagnou por decisões incompetentes permitidas pela participação no Euro e em que algumas reformas pró-capitalistas foram timidamente, e com constantes inversões, implementadas na América Latina, é que os países da região recuperaram ligeiramente em relação a Portugal.
O país que implementou melhores políticas foi o Chile, que fez reformas sérias após 1975, tornando-se o mais rico da região. A Argentina era, no início do século XX, um dos países mais ricos do mundo, mas no final não estava entre os 50 primeiros. México, Brasil e Colômbia tiveram um nível de vida cada vez mais inferior ao de Portugal.
O que explica então este declínio económico e, no futuro, populacional (a população deverá reduzir-se substancialmente até 2100)? Haverá várias razões e algumas serão difíceis de compreender pois resultam de políticas erradas que foram repetidas sistematicamente.
A região abraçou repetidamente políticas dirigistas baseadas no crescimento do Estado através de monopólios públicos em múltiplos sectores que alimentaram o clientelismo, a corrupção, a pobreza e o favorecimento de grupos políticos e económicos. Estas opções seguiram-se a outras como a substituição de importações, a fixação administrativa de preços, a limitação das exportações e da concorrência, a desvalorização cambial e um nível elevado de inflação.
A visita do Presidente do Brasil alerta-nos para vários perigos. Lula representa as razões para o declínio da América Latina – o populismo demagógico, a corrupção generalizada e a ideologia igualitária que minam a região – e segue o caminho de estagnação que Portugal trilha desde 2000.
1 – O populismo demagógico foi muito evidente ao longo do último século numa região onde imperam democracias incompletas e ditaduras – caudilhos e juntas militares, ditadores socialistas e movimentos marxistas de “libertação” ou pseudo-ideologias indígenas.
Chesterton escreveu que “é o homem humilde quem faz o que é grandioso” pois é o que se esforça mais, é o que se deixa inspirar e é o que tem a memória mais sincera por que é menos adulterada pelo seu ego. O populismo demagógico é o oposto de tudo isto pois vive do facilitismo, da ilusão e da vaidade, e é por estas vias que provoca o declínio.
O Brasil é um exemplo de um país em que domina o populismo dos líderes e falha a sua humildade. Muitos habitantes iludem-se com uma liderança que comprove a grandeza do Brasil, alimentando os egos dos brasileiros e do líder. Isto revela um problema cultural profundo que também existe em outros países da região: a falta de humildade das suas elites.
As elites brasileiras sonham demais e são pouco realistas. Há algum tempo ouvi um sociólogo brasileiro defender a procura de igualdade com uma semana de trabalho de 3 dias. Num país onde a pobreza é bem visível, a sua conversa só mostra o desfasamento da realidade. O problema com este tipo de lirismo é que tende a sobrevalorizar líderes com falta de humildade, mas com sobranceria e convencimento de que são “especiais”.
Lula é um exemplo de um político que pretende ser uma figura mundial e que, como outros (e.g. Macron), usa essa pretensão para ser popular e fugir da resolução dos problemas reais. Desde que foi eleito já apresentou o que julga serem propostas de um grande líder: uma moeda única com a Argentina e outros países da América Latina, e outra com a China, Índia e outros países asiáticos. O que as propostas demonstram é que Lula não faz a mínima ideia do que implica uma moeda única e as condições que requer em termos de políticas públicas.
As suas declarações sobre a guerra na Ucrânia, que mudam consoante o anfitrião, são outro exemplo de como a demagogia traz o pior da política e impede a consagração de um grande líder. Como as propostas aparecem na comunicação social internacional alguns brasileiros julgam-no um líder internacional, mas não percebem que isso não é suficiente. Para se ser um grande líder é necessário ter humildade e credibilidade e Lula não as tem.
2 – A corrupção generalizada na América Latina também contribui para o declínio da região. O problema não são só os casos de corrupção económica ou de fraude eleitoral, mas especialmente a cultura de permissividade e de aceitação que lhes estão associados.
A correspondente em Portugal do “Folha de S. Paulo” ilustra bem a passividade ao responder aos problemas de corrupção de Lula pondo o destaque nos de Bolsonaro. Ao “tapar” os casos de Lula, o processo de colocação de “amigos” em cargos públicos ou o reforço da estatização que está a ocorrer, a jornalista demostra a fragilidade que tem perante o poder político.
Este “esconder a cabeça na areia” e a recusa em enfrentar a realidade explica a passividade com que a corrupção é encarada na América Latina, o que facilita muito o seu alastramento. Outro exemplo é o da Venezuela, onde Chávez, um amigo de Lula, conseguiu elevar a corrupção a um nível inimaginável, só rivalizado pelo da inflação.
O ditador socialista aprovou legislação para fazer tudo sem controlo do parlamento. Nomeou amigos para a direcção da companhia de petróleos e passou a controlar as suas receitas, que começaram a desaparecer sem registo. O mesmo aconteceu com 300 mil milhões de USD do sistema de controlo da moeda que, numa década, se esfumaram. Maduro, outro amigo de Lula, continuou a sua obra. Desde 2003 a petrolífera do país passou de 17 mil para 140 mil empregados e a produção diária de 3,2 milhões para 700 mil barris.
A passividade e a permissividade da população para com a corrupção reflecte-se na aceitação acrítica de que o Estado seja cada vez maior. Quanto mais cresce o Estado maiores são as oportunidades de corrupção a todos os níveis, quer a grande organizada pelo poder político e empresas públicas, quer a pequena que abrange todos os sectores da sociedade.
Como parece prevalecer o princípio de que só os governos conservadores são corruptos (como a ideia de que só os “brancos” são racistas, os outros não são mesmo que o pratiquem), a esquerda progressista fica livre para “engordar” o Estado com novas opções de corrupção.
3 – A ideologia igualitária que mina a região é talvez a principal razão para o seu declínio. O igualitarismo é pior porque assenta numa percepção errada: confunde justiça com igualdade e essa confusão contribui para o atraso ao resultar na manutenção da pobreza. A promoção do igualitarismo até pode ter uma boa intenção, mas apenas cria injustiça pois em vez de se focar em ajudar os mais necessitados interfere com a vida de todos para obter a igualdade.
O engano parte de uma frase que é comum ouvirmos e que é apelativa, mas que também é literalmente falsa: “as desigualdades são chocantes”. Na América Latina existe uma classe média maioritária que vive relativamente bem e esse modo de vida não é chocante quando comparado com a pobreza. O que choca na América Latina não são as desigualdades, mas a pobreza e a falta de acesso de uma parte da população a condições básicas como saneamento, higiene, ruas limpas e uma habitação condigna.
A injustiça provocada pela procura de igualdade é dupla porque, na prática, prejudica a classe média que tenta ter uma vida melhor e, por essa via, limita a capacidade das sociedades disponibilizarem condições dignas aos mais pobres. Ao misturar os objectivos de redução da pobreza com resultados igualitários e, por essa via, ao limitar a criação de riqueza, a igualdade contribui efectivamente para que a falta de condições se perpetue entre os mais pobres.
A Venezuela demonstrou-o quando a ditadura socialista impôs uma igualdade em que a diferença entre o rendimento médio mensal dos 10% mais ricos e dos 10% mais pobres é de apenas 545 USD (em Portugal é mais de 4 vezes superior). Com a procura da igualdade a Venezuela tornou-se um país pobre na América Latina, com um PIB per capita muito abaixo da média regional (no início do socialismo, em 2000, estava 40% acima da média da região).
O exemplo da Venezuela mostra que a procura por igualdade não elimina a pobreza. Muito pelo contrário, a procura de igualdade “perpétua” a pobreza. Esta motivação ideológica dura há muitas décadas e esteve sempre a par com o declínio relativo da América Latina.
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