As quatro décadas
O exemplo do José Manuel trazia luz aquela dureza de vida, de nos fazermos à vida, o seu horário era o horário da excelência. A harmonia interna radicava numa comunhão de ideal.
Partilhei a minha vida de advogado, durante 40 anos, com o José Manuel Galvão Teles, o José Manuel, quase sempre com gabinetes lado a lado. São quatro décadas diferentes.
Na primeira década, até ao início dos anos 90, praticávamos advocacia individual. O escritório pertencia ao José Manuel, mas cada advogado estava por sua conta, tendo de contribuir para as despesas comuns. Foi muito importante que o início da vida de advogado tenha sido assim, tipo self made lawyer. É um contexto ótimo para formarmos a nossa alma liberal, de profissionais independentes, de vida difícil e a pulso. O exemplo do José Manuel trazia luz aquela dureza de vida, de nos fazermos à vida, o seu horário era o horário da excelência. A harmonia interna radicava numa comunhão de ideal, fazer uma advocacia de alto valor acrescentado e mantermos relações amigas, fundadas em humanidade e em solidariedade. Sem se aperceber, porque o horizonte das sociedades de advogados ainda não era nítido, o José Manuel criava verdadeiros futuros sócios, empreendedores e autónomos, preparados para acrescentar valor e não consumir do valor criado. Os valores da Excelência e da Humanidade foram ali plantados. Juntava-se outro valor, inegociável: a Ética.
Na segunda década, decidimos constituir uma sociedade de advogados, a J.M. Galvão Teles, Bleck, Pinto Leite & Associados, sendo também sócios o Jorge Bleck e o Nuno Galvão Teles. Em breve, o João Morais Leitão, um dos grandes advogados portugueses, desafia-nos para uma fusão com a sociedade que tinha o nome dele. Registei nesta ocasião um gesto de grandeza do José Manuel. O João Morais Leitão era um dos seus maiores amigos e o contacto foi, naturalmente, feito através dele. Era óbvio que a fusão seria um passo muito inteligente, mas pedi tempo para pensar, sobretudo pela paixão que tinha pelo nosso projeto e pela confiança que depositava no seu sucesso. Tendo o José Manuel um gosto sonhado de partilhar escritório com o seu amigo João Morais Leitão, disse aos seus sócios mais novos o que raros sócios diriam no seu lugar: «Basta um de vocês não querer a fusão para não se fazer». O seu amor à liberdade era tão profundo que incluía o respeito extremo pela liberdade dos outros.
Com o acordo de todos, fazemos a fusão e nasce a Morais, Galvão Teles & Associados. Os valores da Ética, da Excelência e da Humanidade eram partilhados pelas duas organizações. Costumo dizer que uma sociedade de advogados é uma organização, uma empresa, uma instituição e uma comunidade. A organização liberta-nos, a empresa protege-nos, a instituição identifica-nos, a comunidade realiza-nos. Com a liderança do João Morais Leitão nesta década, este barco foi posto na água.
A terceira década é marcada pela primeira transição geracional pela necessidade de responder a vicissitudes internas, com a saída de excelentes advogados por divergências de projeto. Para a nossa cultura, para o nosso temperamento coletivo, era imperioso somar e reunir na instituição talento de primeiro nível. Embora já na casa dos 60, o José Manuel vibra com todos os passos nesse sentido, está sempre na linha da frente, junto com as gerações mais novas. Para se perceber a relevância do José Manuel neste processo de soma de talento é preciso entender a sua dimensão de esteta: o José Manuel apreciava o talento com o mesmo encanto com que apreciava um quadro.
Fazemos, então, a fusão com a sociedade do Miguel Galvão Teles, do João Soares da Silva e do Luís Branco, a MGT/JSS. Depois de realizar o sonho de partilhar escritório com o João Morais Leitão, o José Manuel realiza o sonho de partilhar escritório com o seu primo-irmão Miguel Galvão Teles. O equilíbrio da fusão traduz-se numa liderança partilhada entre mim e o João Soares da Silva. As fusões entre pessoas são sempre complexas e laços de profunda amizade entre alguns sócios facilitam, protegem, estabilizam, relativizam, resolvem as turbulências próprias do ajustamento de personalidades. A função do José Manuel permanece viva e muito importante, exercendo com mestria a função típica de um «Senior Partner». A terceira década acelera ainda mais, dois anos depois, com a incorporação da CPPX, escritório de grande qualidade do Porto. Junta-se mais talento ao talento, distinguindo os seus sócios Carlos Osório de Castro, António Lobo Xavier, Joaquim Vieira Peres e Eduardo Verde Pinho.
A casa matriz, a Morais Leitão, Galvão Teles, entre 2004 e 2006 incorpora cerca de 50 advogados, mais do que aqueles que tinha em 2003. Este desempenho resiliente só foi possível pela comunhão de valores entre as firmas que integram o projeto e, sobretudo, pela clareza da alma da instituição que se ia construindo. Fiquei de preparar um texto que refletisse a alma da Morais Leitão e só posso recordar com emoção a comoção do José Manuel ao ler a versão final e a dizer «somos isto»: «Grandes advogados atraem os grandes clientes, as grandes causas, os grandes destinos. Atrair, desenvolver e realizar grandes advogados, é o que todos deve motivar, cada dia aqui. Com a humildade que faz crescer, com a discrição dos grandes, com a força interior dos que nasceram para viver causas. Com liberdade responsável, com talento partilhado, com disciplina solidária. Com o cliente no centro, porque é por ele e para ele que aqui nos reunimos. Com paixão, que é a base da excelência e da sua sustentabilidade. Com ética, como um bem sem preço. Com humanidade, que distingue as relações felizes. Com alma de líderes, sem o que o nosso projeto se desfaz. Com sentido social, dimensão essencial da nossa profissão. Com um único horário, o da excelência e da responsabilidade. Primeiros entre iguais, como se esse fosse o nosso máximo, mas também o nosso mínimo».
A quarta década é o tempo da segunda transição geracional e do reforço da profissionalização, de passos maiores na internacionalização, do crescimento mais alargado, da sofisticação empresarial, do foco na inovação. O José Manuel acompanhou de muito perto todo este processo, nesta década liderado pelo seu filho, o Nuno Galvão Teles. A vida reservou-lhe uma satisfação imensa por ver o seu filho, por inteiro mérito e nenhum favor, à frente de uma instituição cuja história e cujos valores o José Manuel trazia tatuados na sua personalidade.
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