As saudades que eu tinha de uma greve geral
ambos os lados da barricada negocial não parecem estar muito interessados na discussão qualitativa dos temas – ambos apostam as fichas em como o país estará do seu lado.
Apesar do título, prefiro que este artigo seja sobre a importância de alterarmos a lei laboral, mais do que sobre a querela da espuma dos dias. É evidente que ambos os lados da barricada negocial não parecem estar muito interessados na discussão qualitativa dos temas – ambos apostam as fichas, a sua credibilidade, em como o país estará do seu lado. No fim, quem sai a perder voltamos a ser nós.
É evidente que precisamos de uma nova lei laboral, que seja capaz de enfrentar a flexibilidade que os mercados do futuro exigirão. Temos uma legislação demasiado complexa e, acima de tudo, que favorece os insiders, aqueles que já estão dentro do mercado. Tudo isto é amplificado por uma discussão centrada nos interesses dos sindicatos, que não coincidem exata e perfeitamente com os dos trabalhadores.
Sei que para alguns que leem este texto, o que digo será um sacrilégio, mas peço que me acompanhem nesta reflexão. As empresas defendem os interesses dos seus acionistas, dos seus shareholders. Da mesma forma, as associações lutam com base nas preferências dos seus sócios. Até aqui, julgo que estaremos todos de acordo. Da mesma maneira, os sindicatos defendem os interesses dos seus membros, dos sindicalizados. Os impactos disso são muito claros: se a taxa de desemprego anda na casa dos 6%, o desemprego jovem situa-se nos quase 19%, é mais do triplo.
As consequências de uma gestão de políticas demasiado centrada naqueles que já estão dentro do mercado (análise análoga poderia ser feita nos mercados de alojamento, por exemplo) são variadas, mas são essencialmente escondidas. Estão tapadas porque afetam os mais vulneráveis, aqueles que não têm tempo de antena nas televisões ou o poder para parar o país. Isto não torna os sindicatos menos relevantes, mas deve lembrar-nos que não representam os trabalhadores, mas sim os seus membros.
Paralelamente, a dialética do costume mantém-se, continuamos a viver num local encantado onde o melhor de dois mundos é sempre possível. Só em Portugal é que a rigidez laboral não prejudica os salários ou a contratação. Os nossos empresários devem ser diferentes dos demais, porque, na cabeça de muitos, quanto mais difícil for ajustar as forças produtivas, maiores salários os empresários estão dispostos a pagar. Devíamos ser estudados: o país sem trade-offs, o país sem necessidade de escolha, o país onde o problema económico não se aplica.
E, claro, a consequência lógica de acreditarmos que a tríade rigidez – bons salários – mais emprego se verifica é que quem procura flexibilizar o mercado é o mau da história, porque quer reduzir os salários. Bem sei que parece simplista, que parece uma fábula infantil, mas são os termos a que o debate está reduzido. Termos esses, claro, de um mundo de fantasia.
Apesar disto, a direita tem responsabilidades, por ter sido incapaz de, nos últimos anos e décadas, explicar ao país por que precisamos de uma lei menos restritiva. Explicar que se não posso despedir, irei contratar menos, irei pagar salários inferiores para não sobrecarregar os momentos de recessão. Não se está a discutir a relevância de estabilizadores automáticos, mas a economia não pode ser toda ela um estabilizador.
Estas eram duas das discussões que podíamos ter: como defender os outsiders e as consequências da rigidez. Todavia, para não as debatermos, as partes preferiram radicalizar posições e ameaçar com a greve geral. À data em que escrevo, parece haver pouca hipótese de voltarmos atrás e a evitarmos. Em abono da verdade, aquando da última greve geral, tinha apenas 9 anos, pelo que, como podem calcular, as recordações não são muitas. No fim das contas, é o resultado de ter crescido com a direita fora do poder e com o Costismo alicerçado na paz social garantida pelo PCP.
Contudo, agora os tempos são outros: a revolta social não é comparável e os portugueses estão cansados de greves. Dia 11, as centrais sindicais vão anunciar taxas de adesão quase soviéticas, mas isso não prova a sua vitória.
Se a adesão dos seus é natural, os sindicalizados representam apenas 7% dos trabalhadores por conta de outrem, que, por sua vez, são menos de metade da população. Quem determina a vitória na disputa é uma vasta maioria silenciosa a quem não conhecemos a opinião, mas que não creio que fique satisfeita por, mais uma vez, não saber como vai trabalhar.
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