Capitalismo empreendedor vs Capitalismo de compadrio

  • Ricardo Valente
  • 18 Julho 2024

A gestão macroeconómica deve ser centrada no objetivo de potenciar a criação das melhores condições para a geração de riqueza numa economia e a posterior difusão da abundância assim gerada.

Porque o modelo de capitalismo seguido até aqui não nos permite estar a crescer de acordo com o real potencial da economia, mas sobretudo porque o mesmo não mostra capacidade de agarrar as oportunidades que surgem neste momento de reinvenção dos modelos de crescimento económico, fruto da transformação digital e energética, do impacto da inteligência artificial e da transição para uma economia “mais verde”.

Face a este processo inexorável de transformação económica e à dimensão das oportunidades que dai advêm, considero que este é o momento de colocarmos, em cima da mesa, a necessidade imperiosa de Portugal construir as bases de uma economia assente num capitalismo realmente empreendedor.

Sabemos que as empresas podem ser lucrativas tanto em sistemas económicos competitivos, como em sistemas que não o são. No entanto, também é claro que os lucros tendem a aumentar a prosperidade de forma mais ampla, sustentável e equilibrada em sistemas competitivos do que em sistemas não competitivos. O capitalismo tem, pois, dois sabores: o capitalismo empreendedor (sabor doce) e o capitalismo de compadrio (sabor bem amargo). O primeiro assenta em mercados altamente competitivos, este último assenta, pelo contrário, em mercados protegidos, cartelizados e/ou protegidos pelos governos.

1. Capitalismo Empreendedor

Em mercados competitivos, não existem barreiras à entrada. Empreendedores ambiciosos com acesso aos recursos certos podem iniciar um negócio em qualquer setor. Além disso, e também muito relevante, não existe a proteção do fracasso. As empresas não lucrativas reestruturam as suas operações, são vendidas ou optam por sair do negócio. Existem poucos zombies (ou seja, empresas mortas-vivas que continuam a produzir apesar de estarem sangrando dinheiro de forma contínua). Estas últimas tendencialmente fecham as suas portas, mas podem sobreviver artificialmente se forem beneficiárias de apoio governamental (geralmente por causa de clientelismo político) ou de facilidades de crédito (por parte também de entidades financeiras públicas).

Em mercados competitivos, um aumento da procura agregada para qualquer bem ou serviço aumenta o preço de mercado, estimulando consequentemente mais produção entre os concorrentes atuais e atraindo novos participantes ao mercado, o que, por sua vez, terá como consequência o baixar dos preços novamente. Por outro lado, se a procura cair de tal forma ocorram prejuízos, os concorrentes reduzirão a produção, com alguns possivelmente encerrando (se o declínio na procura for visto como permanente). Também novos participantes não serão atraídos, e o mercado encontrará assim um ponto de equilíbrio.

A concorrência é, assim, um processo inerentemente deflacionista. Ninguém pode aumentar preços de forma arbitrária porque o preço é determinado pela intersecção da oferta e da procura agregadas – os agentes de mercado são “price takers”. No entanto, qualquer um pode baixar o preço, se puder reduzir os custos, através do aumento da produtividade.

"Ora, a melhor forma de cortar custos e aumentar a produtividade é com inovações tecnológicas. Deste modo, a tecnologia é inerentemente perturbadora dos negócios e deflacionária, uma vez que existe um tremendo incentivo para usá-la para reduzir custos e assim ganhar quota de mercado numa ampla gama de negócios.”

Ora, a melhor forma de cortar custos e aumentar a produtividade é com inovações tecnológicas. Deste modo, a tecnologia é inerentemente perturbadora dos negócios e deflacionária, uma vez que existe um tremendo incentivo para usá-la para reduzir custos e assim ganhar quota de mercado numa ampla gama de negócios.

Estamos perante um processo de “construção criativa” ou de “destruição criativa” como afirmava o economista Joseph Schumpeter? De acordo com este, o “vendaval de destruição criativa” descreve o “processo de mutação industrial que revoluciona incessantemente a estrutura económica por dentro, destruindo a antiga, criando obstinadamente uma nova.”

Diria que é antes uma forma distinta de analisar o tema: enquanto Schumpeter olha para o capitalismo como um meio de eliminar a superprodução ao colocar empresas e recursos não lucrativos fora do mercado: os produtores não competitivos (não lucrativos) são as infelizes vítimas do capitalismo! Podemos ver o capitalismo como o sistema que fornece o incentivo para os empreendedores inovarem. Impulsionados pela motivação do lucro, estes criadores de novos ou melhores bens e serviços a preços acessíveis enriquecem, vendendo seus produtos aos consumidores que deles beneficiam. Eles são os verdadeiros revolucionários, destruindo os produtores que não conseguem inovar e fornecendo aos consumidores os melhores bens e serviços a preços mais baixos.

Ou seja, a única classe que parece importar neste capitalismo é a “classe consumidora”, que nos inclui a todos. Num sistema capitalista, produtores, trabalhadores, comerciantes, todos competem para atender as necessidades da classe consumidora.

Concluímos assim que o processo de destruição criativa leva naturalmente ao “paradoxo do progresso”: a sociedade beneficia da destruição criativa, pois tal cria negócios, produtos e mercados, proporcionando melhores condições de vida e novos empregos, e aumentando assim o nível de vida da população em geral.

2. Capitalismo de Compadrio

O “capitalismo de compadrio” pode ser visto como apenas uma das muitas variações da corrupção. Nesta leitura, existem apenas dois sistemas económicos: o capitalismo empreendedor e a corrupção.

Como passamos de um sistema benévolo para este sistema? Os capitalistas empreendedores de sucesso tornam-se capitalistas de compadrio quando subornam políticos e contratam lobistas para imporem barreiras legais e regulatórias à entrada no seu mercado, impedindo a entrada de novos concorrentes. Não lhes parecendo importar que eles próprios tiveram sucesso porque não existiam tais barreiras ou porque eles encontraram maneiras de contornar quaisquer barreiras. Em vez de valorizarem e protegerem o sistema capitalista que lhes permitiu ter sucesso, lutam agora tão somente para valorizar e proteger os negócios que construíram.

Por outras palavras, neste sistema, estabelecer acordos com o governo é tão ou mais importante do que competir de forma justa e honesta no mercado em benefício exclusivo dos consumidores. Essa é a natureza fundamental do capitalismo de compadrio. As empresas tornam-se maiores e mais politizadas (políticos e ex-políticos nos seus corpos de governação) à medida que o governo se torna também maior e mais radicalizado na tomada de decisões de foro económico.

Em conclusão:

Cabe ao Estado através de agência de regulação independentes garantir uma sã competição de mercado, salvando o sistema de cair numa lógica de compadrio e corrupção através de uma forte (não imensa) regulação de proteção da concorrência, liberdade de inovação e defesa dos direitos dos consumidores.

"Temos de uma vez por todas também que perceber que a economia não é um jogo de soma nula. O sistema económico deve potenciar toda a tecnologia criada pelos agentes económicos individualmente, empresarialmente ou coletivamente para aumentar o padrão de vida de todos.”

Temos de uma vez por todas também que perceber que a economia não é um jogo de soma nula. O sistema económico deve potenciar toda a tecnologia criada pelos agentes económicos individualmente, empresarialmente ou coletivamente para aumentar o padrão de vida de todos.

Sendo as inovações tecnológicas impulsionadas pelos lucros – obtidos resolvendo os problemas colocados pela escassez de recursos -, devemos olhar para estes como a fonte de poupança que garante o financiamento do investimento que é capaz de “construir” o futuro.

Assim, e na minha perspetiva, a gestão macroeconómica deve ser centrada no objetivo de potenciar a criação das melhores condições para a geração de riqueza numa economia e a posterior difusão da abundância assim gerada, enfatizando as políticas de livre concorrência, espírito de tomada de risco (direito ao lucro, e assunção do fracasso) e da liberdade de escolha por parte de todos os consumidores (nós todos)!

  • Ricardo Valente
  • Vereador da Economia e Finanças da Câmara Municipal do Porto

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