Citação eletrónica: mudar alguma coisa para ficar tudo na mesma

  • Carla Góis Coelho
  • 14:16

Como desincentivo existe ainda o facto de as citações eletrónicas, por comparação com as postais, poderem conduzir a prazos de resposta mais curtos.

A nova Lei que regula a citação e notificação por via eletrónica é dececionante.

A fundamentação usada para contextualizar a nova Lei, embandeirando os ideais de transformação digital, celeridade processual e eficiência nos tribunais, visa dar cumprimento aos objetivos do PRR de acelerar os processos e adaptá-los ao paradigma «digital por definição» e, em particular, de remoção de constrangimentos na fase de citação e a previsão, com regra, da citação das pessoas coletivas por via eletrónica”.

O conteúdo do Decreto-Lei autorizado fica, contudo, manifestamente aquém daqueles propósitos – tanto quanto permite concluir a análise conjugada da versão atual com a proposta. Aliás, desde logo não é fácil o próprio processo de comparação entre os dois textos, também dadas as inúmeras remissões sem racional sistemático e a inexistência de uma redação consolidada das normas em causa.

Nessa perspetiva, dois pontos chaves merecem especial atenção. Em primeiro lugar, embora a regra prevista seja, efetivamente, a da citação / notificação por via eletrónica das pessoas coletivas sujeitas a registo obrigatório no RNPC, essa solução pressupõe a disponibilização de um endereço de correio eletrónico para o efeito. Se esse endereço não for disponibilizado, a citação / notificação será, então, efetuada via postal.

E qual o incentivo que é dado para que as pessoas coletivas efetivamente registem o seu endereço de correio eletrónico e, com isso, se disponibilizem a receber atos judiciais por via eletrónica? Nenhum. A lei prevê o pagamento de uma taxa de EUR. 51,00 por cada citação / notificação enviada via postal. O valor é imaterial e, por isso, desincentiva a opção das empresas pela via eletrónica. Como desincentivo existe ainda o facto de as citações eletrónicas, por comparação com as postais, poderem conduzir a prazos de resposta mais curtos.

Assim, a citação / notificação eletrónica será regime regra, mas não regime obrigatório; será regime regra, mas a exceção vai, sem qualquer dúvida, suplantar a regra.

Em segundo lugar, e talvez por lapso resultante da muito desafiante articulação entre o regime atual e o regime proposto (e remissões várias de um e de outro), propõe-se a revogação da norma que prevê, também para pessoas coletivas sujeitas a registo no RNPC, que se a citação enviada via postal, para a morada constante desse registo, for devolvida sem qualquer especial contexto ou incidente (por exemplo, a recusa de assinatura do aviso de receção ou a recusa do recebimento de carta), a citação será enviada novamente, para a mesma morada, assumindo-se como data de citação a data certificada pelo distribuidor do serviço postal ou, no caso de ter sido deixado o aviso postal, o 8.º dia posterior a essa data.

Esta norma, pressupondo um dever de diligência mínima da pessoa coletiva na sua interação com terceiros, não só imprime celeridade na tramitação da fase de citação como, em alguns casos, resolve impasses potencialmente absolutos na concretização da dita citação. À luz dos propósitos subjacentes às alterações propostas (e antecipando que a citação postal vai, materialmente, manter-se a regra), a importância desta norma mantem-se e, por isso, não se identifica qual o racional que preside à proposta de revogação da mesma – tanto mais considerando que o Tribunal Constitucional (Acórdão n.º 652/2022) já teve oportunidade de analisar esta solução e não a julgar inconstitucional em sede de fiscalização concreta.

Estando correta esta análise, que haja oportunidade e vontade para repensar estes dois temas, com vista à promoção de um processo judicial cada vez mais eficiente e ágil.

  • Carla Góis Coelho
  • Sócia na área de Resolução de Litígios da PLMJ

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