Como será a agência de publicidade do futuro? (VIII) – com Gabriel Araújo
As agências de publicidade, por estranho que pareça, têm muito a aprender com o mercado das relações públicas.
No artigo anterior desta série, confidenciei a forma pouco vulgar como fui parar ao mercado da publicidade. Até esse momento, tal como leram anteriormente, nem sabia bem o que era uma agência de publicidade, nem a forma como se organizava e ao certo aquilo que fazia.
No entanto, tendo em conta ter passado por uma juventude partidária, ao de leve pelo mundo dos jornais e de forma muito consistente pelo então vibrante mundo dos blogs de política, obviamente que sabia bem o que era uma agência de comunicação ou, se preferirmos, uma agência de relações públicas.
Tudo aquilo era um mundo que me fascinava. O poder da influência, o falar com os jornalistas e a possibilidade de se construírem histórias capazes de manipularem a opinião pública. Quando fechei a minha primeira empresa (onde fiz um pouco de consultoria de comunicação), passei vários anos a tentar entrar para uma grande agência de relações públicas — sempre, ainda bem, sem qualquer tipo de sucesso.
Ao longo dos anos, acabei por travar amizade com vários consultores importantes das principais consultoras do mercado, que também eles gravitavam no mundo dos blogs e passei muito tempo a ouvir as grandes histórias sobre as guerras desse mundo.
Lembro-me até do dia em que tentei ser contratado por uma grande consultora que, mesmo depois de minha insistência minha, me esfregou um redondo (e merecido) não na cara — ironia das ironias, passado uns 5 ou 6 anos estava a ingressar nesse mesmo grupo para ser diretor criativo de uma das agências de publicidade do mesmo grupo.
Talvez por ter tido estas ligações ao mercado das relações públicas (muitas ainda mantenho), quando me tornei publicitário, sempre tentei perceber como é que os mercados das relações públicas e da publicidade poderiam conviver e — mais do que isso — como é que poderiam complementar-se. Fará sentido dois mundos tão próximos viverem tão distantes? Obviamente que não, pelo menos foi isso que sempre pensei.
Durante muitos anos, pareci um maluco a gritar sozinho no meio de uma confusão — a minha figura era a daquela tia que bebeu uns copos a mais na festa de Natal e que desatou aos berros a dizer umas verdades, que todos na família se recusam a ouvir.
Ao contrário da maioria das consultoras de PR, a Ketchum há 7 anos que participa e trabalha em parceria com os Cannes Lions. Este vídeo é bastante elucidativo da forma como a Ketchum olha para a mistura entre PR e Advertising.
No entanto, há ventos que estão a ser soprados lá de fora e que nos mostram que cada vez mais os mundos das relações públicas e da publicidade estão mais próximos. De um momento para o outro, há firmas de PR que vendem criatividade e começam também a haver agências de publicidade que vendem PR.
Um dos melhores exemplos a nível mundial é o percurso que tem sido trilhado pela agência de relações públicas internacional Ketchum, pertencente à gigante americana Omnicom. Foi por isso, que decidi convidar o seu Executive Creative Director a nível internacional, a explicar-nos o que é que as agências de publicidade têm a aprender com o mercado das relações públicas. O Gabriel Araújo, acumula ainda estas funções com as de VP da agência brasileira Little George, tendo passado antes por várias agências de publicidade e sido jurado na categoria de PR no festival de Cannes deste ano, onde ainda ganhou 2 leões.
Como de costume selecionei alguns pontos do discurso do Gabriel, que gostaria de vincar, sobre aquilo que a agência de publicidade do futuro tem a aprender com as RP:
1. “Pensar de forma mais profunda os trabalhos”
Quer queiramos quer não, muitas vezes as agências de relações públicas (pelo menos as boas), estudam os briefings e as marcas como uma profundidade diferente daquela que costumamos fazer nas agências de publicidade.
Esta característica faz com que inevitavelmente, nos últimos tempos, estas agências, principalmente a nível internacional, tenham ganho uma relevância maior na vida dos clientes. Por outras palavras, a malta das relações públicas está mais preocupada em fazer bem do que fazer bonito — será que a agência de publicidade do futuro conseguirá fazer simultaneamente bem e bonito?
2. “Saber gerar earned media”
Não há case study de publicidade onde não se fale de earned media, seja ela conseguida através dos órgãos convencionais de comunicação, ou dos modernos influenciadores nas redes sociais. Mas será que as agências de publicidade se preocupam de início, logo quando começam a responder a um briefing, com o impacto que a campanha que estão a desenvolver terá do ponto de vista mediático? Creio que muito pouco e isso terá que mudar muito rapidamente.
3. “Estudar o que as redes sociais estão a falar sobre o tema”
Durante muito tempo, as redes sociais foram vistas como algo menor dentro das agências de publicidade. Não só não queríamos criar campanhas para elas, como também não queríamos saber o que elas estavam a dizer sobre as marcas, produtos e serviços que publicitávamos. Conheço publicitários que ainda hoje, numa clara fuga ao futuro, continuam sem usar redes sociais — não por questões de privacidade, mas antes por convicção ideológica.
Quantas agências de publicidade em Portugal, na altura de criarem uma campanha, fazem uma análise rigorosa do que se diz nas redes sociais? Pois, vocês sabem a resposta.
4. “Desprendimento de plataformas”
Este é provavelmente o único ponto em que estou mais otimista do que o Gabriel. Na verdade, as boas agências de publicidade portuguesas, visto não ganharem dinheiro com o media, estão cada vez menos preocupadas em criar campanhas um determinado meio, em detrimento dos outros.
No entanto, ainda sobrevive em algumas agências, uma ideia romantizada de que existem medias mais nobres do que as outras. Terá um leão de Cannes em Filme mais valor do que um leão de Cannes em PR ou Promo? Como diria um amigo brasileiro: “leão não tem raça”.
Em resumo, as agências de publicidade, por estranho que pareça, têm muito a aprender com o mercado das relações públicas. Uma ressalva, para o facto de tanto eu como o Gabriel, estarmos a referir-nos ao moderno mercado das relações públicas e não ao velho modelo cinzento das consultoras engravatadas, que se focavam quase exclusivamente na assessoria de imprensa e nos public affairs.
O que falta agora discutirmos é se continua a fazer sentido as agências de publicidade e as agências de relações públicas serem elementos separados, ou se pelo contrário, deveriam estudar modelos de fusão em que culturas diferentes trabalhassem em conjunto e se respeitassem mutuamente. Muitos modelos deste género têm vindo a ser estudados, mas ao que parece, ainda nenhum deles com pleno sucesso.
A verdadeira questão que ainda teremos que responder é: por quanto mais tempo irão publicitários e consultores de comunicação continuar a falar línguas diferentes?
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