Como será a recuperação do Covid-19?
A erradicação do vírus só poderá ser alcançada de duas formas: ou pela descoberta de uma vacina ou pela chamada imunidade de grupo
Estamos imersos numa crise de enormes proporções e de consequências gravíssimas, a nível planetário, quer ao nível da saúde e da vida das pessoas, quer ao nível do impacto dramático na economia (queda abrupta do PIB, crescimento enorme do desemprego, elevadíssimo endividamento, etc.) que as medidas de combate ao vírus impõem.
Neste combate ao vírus, foram consideradas e adoptadas, no essencial, duas estratégias: a de mitigação e a de supressão.
A estratégia de mitigação consiste em identificar e isolar as pessoas infectadas, deixando a grande parte da população exposta ao vírus, dado que, segundo estudos epidemiológicos, cerca de 80% das pessoas não serão contagiadas ou sendo-o poderão apenas ter necessidade de cuidados domiciliários, o que leva à concentração dos esforços nos 20% dos casos que necessitarão de cuidados hospitalares, em especial os que recebem tratamento nas unidades de cuidados intensivos (com particular atenção aos grupos de risco, como os idosos).
Esta estratégia, que não implica a imposição generalizada de quarentenas, tem por efeito esperado a existência de um pico da curva exponencial de crescimento da pandemia o que cria uma situação insustentável aos serviços de saúde com consequências dramáticas em termos de número de óbitos. Por exemplo, foi esta a estratégia que começou por ser seguida, no inicio da pandemia no Reino Unido, para depois ser abandonada, face à previsão do Imperial College de cerca de 350.000 mortos.
A segunda abordagem estratégica, designada de supressão, consiste em controlar a pandemia, “achatando” a curva epidemiológica, através da diminuição da taxa de contágio dando a possibilidade aos serviços de saúde de poderem corresponder à procura de cuidados hospitalares e intensivos e diminuindo fortemente a mortalidade.
Esta estratégia é alcançada, no fundamental, pelo distanciamento social, pelo confinamento das populações (“lockdown”), isto é pela imposição de estados de emergência, com fortíssimas restrições à liberdade das populações (fecho de empresas de bens e serviços não essenciais, de escolas e universidades, de fronteiras, de viagens etc).
Estas duas estratégias têm efeitos muito diferentes no regresso à “normalidade”, ou seja quando se considerar controlada a pandemia e iniciar o período de recuperação.
Na estratégia de “lockdown”, adoptada por uma grande parte dos países europeus, a maior parte da população foi preservada do contacto com o vírus, pelo que continuará mais exposta a novos contágios, e novos surtos poderão surgir depois de uma primeira vaga ser controlada. A grande pandemia da “Gripe Espanhola” teve três surtos, de 1918 a 1920, e estima-se que tenha matado cerca de 70 milhões de pessoas a nível mundial.
Este perigo de novos surtos fará que o relançamento da actividade económica seja efectuado de maneira gradual, com cuidados específicos para evitar novos contágios, através de restrições ao funcionamento das empresas pela aplicação de regras de distanciamento social. A imposição destas regras por parte dos Governos e o novo comportamento dos consumidores que evitarão e penalizarão os sectores em que é inevitável a interacção social, provocarão enormes impactos negativos para as empresas e para os trabalhadores (quebras elevadas de produção e de resultados, acréscimo enorme do desemprego) em especial, no sector terciário : transportes aéreos, hotéis, restauração, grandes espectáculos desportivos e culturais etc..
Em alguns países europeus (por exemplo, na Holanda, que adoptou o chamado confinamento inteligente) não existiu um confinamento generalizado das populações, pelo que mantiveram, em grande parte, o funcionamento “normal” das economias (como na Suécia) mas deixando a grande parte da população exposta ao vírus esperando que os seus sistemas de saúde possam fazer face à doença sem rupturas (e que o número de mortes não provoque um alarme social na opinião pública que imponha o “lockdown” generalizado, como aconteceu no Reino Unido).
Esta estratégia tenta conciliar o funcionamento da economia (com algumas medidas de distanciamento social) com o combate ao vírus e neste contexto o regresso à “normalidade” é mais rápido e os efeitos da crise global serão previsivelmente menos graves.
Também no campo da saúde as estratégias de supressão e mitigação têm efeitos e resultados muito diferentes. Na realidade, o objectivo da estratégia de confinamento generalizado, é a “compra” de tempo para que os sistemas de saúde não colapsem e possam evitar a perda de muitas vidas, mas não é uma solução para erradicar o vírus.
A erradicação do vírus só poderá ser alcançada de duas formas: ou pela descoberta de uma vacina, eficaz, segura, confiável e generalizada a toda a população, ou pela chamada imunidade de grupo (“herd immunity”) que só é alcançada quando uma grande parte da população tiver estado exposta ao vírus.
A proporção da população que tem que estar exposta ao vírus para alcançar a imunidade de grupo é desconhecida, no caso do covid 19, mas é geralmente alta: na difteria é de 75% e no sarampo é de 91%.
Significa isto que, na ausência de uma vacina (que previsivelmente só será alcançada num período de 12 a 18 meses e cuja generalização a toda a população demorará ainda mais tempo), serão os países que não seguiram uma estratégia de “lockdown” aqueles que terão uma retoma mais rápida e menos difícil, uma menor probabilidade de novos surtos, e que alcançarão uma imunidade de grupo mais rapidamente.
Nota: Por opção própria, o autor não escreve segundo o novo acordo ortográfico.
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