Comunistas, fascistas, heróis mutantes

Para Fascistas e Comunistas, o primeiro passo para a realização da Humanidade é a Supressão Cirúrgica da mais ínfima manifestação Liberal.

O que é estranho é a indiferença. Máscaras, viseiras, luvas de látex, percursos despreocupados e pouco preenchidos à procura de uma boa compra numa qualquer loja desesperada. Claro que escrevo com uma máscara colorida e símbolos seculares extravagantes para protecção do leitor das ideias infecciosas desta crónica.

Os novos pobres crescem como flores numa trincheira, os desempregados fazem filas espaçadas geometricamente calibradas, a fome no Mundo da abundância desafia a lógica dos axiomas universais e desperta os velhos ódios do passado. A realidade da doença, com ou sem confinamento, continua a reclamar a paralisia dos pulmões consumidos, mais a esperança de uma terapia imaginária. As reflexões elegantes e metafísicas de Thomas Mann em “A Montanha Mágica” arrastam o fatalismo de uma ingenuidade perdida num Mundo sem identidade e sem memória. Vamos recuperar o desconforto dos “Cadernos do Subterrâneo”.

Extravagante é o entusiasmo Marxista e a apatia Capitalista. Para os Liberais de todas as extracções esta é uma crise episódica e passageira que os mecanismos políticos da Democracia Liberal e os mecanismos económicos do Mercado vão ultrapassar. Para os Marxistas, esta crise é a suspensão do Capitalismo que revela o primeiro sintoma de uma contradição interna que leva fatalmente ao colapso do sistema. Este caminho só tem um sentido e um sentido sem possibilidade de regresso. Impulsionado por esta ideia, o Activismo Marxista reproduz-se à velocidade da pandemia e o Silêncio Liberal rebenta na imobilização da palavra e da acção política na contemplação absurda ou traumática dos Mercados.

A última suspensão do Capitalismo ocorreu na Segunda Guerra Mundial com o advento da “Economia de Guerra” – economia centralizada e controlo dos preços. Mas para os Novos Marxistas a situação contemporânea aponta para a revogação das regras do Capitalismo, seja pela omnipresença do intervencionismo de Estado, seja pela súbita descoberta de uma dívida virtuosa, seja pela eficácia expansionista do défice. A grande contradição interna ao Capitalismo revela-se pela inexistência de Instituições capazes de retomar a “Economia de Guerra sem Guerra”, daí a necessidade de se inventar novas regras para se evitar o colapso da Economia. Para o paradoxo ser completo resta acrescentar que o Capitalismo está em guerra com o Capitalismo.

A crise na Saúde Planetária desponta na revelação dos Aventureiros. Na política, os Aventureiros abraçam a lógica da Grande Viagem, o sortilégio do Perigo Existencial, mais a Moral do Heroísmo, mais a certeza de um Destino Final pleno de uma Felicidade Material. Os Aventureiros adoptam a persona de um Cavaleiro Andante ou de um Samurai de Fantasia e percorrem o Mundo em busca de Acção. Impulsionados pelo delírio ou pelo medo, observam esta crise como uma consequência natural e perversa da Sociedade Cosmopolita Liberal, marcada por uma Prosperidade Irresponsável e por uma Vulgaridade Repugnante. É o Desprezo Ideológico por uma modalidade política inferior, o Liberalismo, que produz valores absurdos e absolutos e que só sabe projectar na Humanidade Pura o germe da maior das violências – a Conformidade em nome da Prosperidade Individual em prejuízo de um Destino Comum.

O ponto essencial ao Aventureiro Político é o sentimento Anti-Liberal suportado na Degradação, na Mediocridade, na Vulgaridade, na Banalidade Formal da Prática Política do Liberalismo. Nesta perspectiva, o Aventureiro Fascista tal como o Aventureiro Comunista estão mais unidos no ódio ao Liberalismo do que separados pelas variantes bizantinas das respectivas Ideologias.

Para Fascistas e Comunistas, o primeiro passo para a realização da Humanidade é a Supressão Cirúrgica da mais ínfima manifestação Liberal. A Pandemia Oriental transforma-se na força impulsionadora de um Movimento Político Universal para a superação do Capitalismo, extraindo todos os Intelectuais da sombra humilhante dos Gabinetes, das Escolas, das Universidades, da Obscuridade. Subitamente, a Utopia Liberal revela o seu lado sórdido, violento e letal, abrindo as Avenidas do Progresso à acção concertada de uma Nova Vanguarda Mundial.

Comunistas e Fascistas solidários numa Irmandade Negativa, ignorando Partidos e Deuses Falsos, unidos na seta do tempo por uma ideia de Futuro, de Modernidade, de Libertação pela Máquina, na observação teórica de uma Planície Ideal onde seremos para sempre Jovens e Felizes. Escrevo estas reflexões apenas para recordar que as Ideias Totalitárias têm raízes profundas na mente dos Intelectuais.

Os tempos em que vivemos reclamam por um Escritor e por um Historiador capazes de extrair a lógica do Mundo pelo gesto de um olhar, capazes de contar histórias vivas, dotados de uma espécie de dom da vida, pois devem ser sensíveis à descrição poética da realidade no estabelecimento de uma verdade para além das falsas aparências. Um Escritor e um Historiador que não relatem a normalidade mecânica de uma verdade contabilística, mas que celebrem a complexidade de um conhecimento quando este ano não existe gente nas ruas dos anos anteriores.

A Aventura pode alargar os limites do mapa, mas poucos limites podem rivalizar com a infinidade criada pelos limites da mente.

Nota: Por opção própria, o autor não escreve segundo o novo acordo ortográfico

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