“Contact tracem-me”

Perante uma app que use apenas o Bluetooth e sirva somente o propósito de gerar, emitir e registar a minha "proximidade" com outros telemóveis, não hesito em dizer: "contact tracem-me" a mim também.

Agora que estão lançadas as bases para uma discussão pública com substância, chega a hora de o Governo e a Direção-Geral da Saúde tomarem uma decisão: querem ou não permitir que uma aplicação de contact tracing seja usada em Portugal para deteção rápida de casos potenciais de coronavírus?

É sabido que o tema tem merecido atenção da parte do Executivo e das autoridades de saúde. Sabe-se também que Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa concordam num ponto: uma aplicação destas não pode, nunca, ser de caráter obrigatório. Mas não se sabe – eu, pelo menos, não sei – se o Governo se prepara para aprovar o uso deste tipo de ferramenta.

Para este efeito, entende-se por contact tracing uma aplicação que podemos instalar no nosso telemóvel e que vai registando a proximidade com outros aparelhos através de códigos gerados e emitidos por Bluetooth. Quando um utilizador é diagnosticado com Covid-19, é enviado um alerta para os telemóveis que estiveram perto do doente nos últimos dias.

Há, para já, duas principais preocupações. Uma tem a ver com a eficácia deste tipo de soluções. Um estudo da Universidade de Oxford concluiu que, para serem eficazes no combate à pandemia, têm de ser instaladas por 60% da população de uma dada região. É um número, quiçá, impossível de atingir. E sobre este ponto, não creio que tenha havido ainda uma resposta satisfatória da parte dos promotores destas aplicações.

Outra prende-se com a privacidade dos utilizadores. Teme-se que o registo destes dados venha a extravasar o fim para o qual é feito em primeiro lugar. Sobre isto, porém, as respostas têm sido várias – e, arrisco, satisfatórias.

Google e Apple estão a desenvolver um mecanismo de contact tracing que virá já instalado de raiz na esmagadora maioria dos smartphones. Sabe-se que, para já, em Portugal, a aplicação de contact tracing que está a ser desenvolvida pelo INESC TEC vai usar esse mecanismo. Isto é, se chegar a ver a luz do dia.

O sistema aparenta ser robusto e bem desenhado para garantir que os utilizadores permanecem anónimos. E não tenta extravasar aquilo para o qual foi feito, como se tem assistido noutras aplicações que, para além de registarem a proximidade, gravam também dados de saúde dos cidadãos e até usam GPS. Algo que a Comissão Europeia já veio dizer “no no”.

Face a isto, com a informação disponível neste momento, perante uma solução que use apenas o Bluetooth e sirva somente o propósito de gerar, emitir e registar a minha “proximidade” com outros telemóveis e cidadãos, não hesito em dizer: “contact tracem-me” a mim também. Não é o ideal, mas é o que significa “aprender a viver com vírus”.

Por fim, nesta fase, é crítico que os promotores das aplicações que estão a ser desenvolvidas em Portugal se sentem à mesa para discutirem formas de tornar estes sistemas compatíveis uns com os outros. O pior que poderia acontecer seria termos várias aplicações disponíveis no país, cada uma com standards de privacidade diferentes, cada uma fechada sobre si mesma.

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