Desafios da produção de eletricidade para autoconsumo

  • Duarte Lacerda
  • 23 Setembro 2024

O licenciamento das UPAC continua a ser um caminho incerto e moroso, tardando a plena implementação da plataforma de licenciamento digital da DGEG.

Em julho de 2021 escrevi, neste mesmo jornal, sobre o papel do autoconsumo de eletricidade na transição energética, tendo, então, salientado a importância da produção descentralizada de eletricidade, em particular o autoconsumo através de unidades de produção para autoconsumo (UPAC) – o que, em bom rigor, entrava, já na altura, na categoria de verdade de La Palice.

Muito foi feito desde então pelos promotores, legislador e entidades licenciadoras no sentido de acelerar a implementação de projetos de produção descentralizada de eletricidade, tanto no autoconsumo individual, como, cada vez mais, no autoconsumo coletivo. Ilustrativamente, de acordo com dados da Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG), em 2021, o total da potência instalada descentralizada em Portugal era de 580.461 kW, dos quais 352.451 kW respeitantes a UPAC, tendo quase quadruplicado em 3 anos para os atuais 2.218.142 kW, dos quais 1.855.108 kW referentes a UPAC.

Não obstante, o licenciamento das UPAC, em particular quando associadas a um autoconsumo coletivo, continua a ser um caminho incerto e moroso, tardando a plena implementação da plataforma de licenciamento digital da DGEG prevista desde 2022.

Também no que respeita ao aproveitamento e ligação dos excedentes das UPAC ao sistema de mobilidade elétrica – o que parece ser um passo lógico e óbvio para todos – a legislação e regulamentação continua a ser omissa, gerando um vazio legal que impede a implementação de novos modelos de negócio, em prejuízo do consumidor e dos objetivos da descarbonização. De resto, todo o regime jurídico da mobilidade elétrica permanece cristalizado no longínquo ano de 2014, como também já tive oportunidade de criticar.

Por outro lado, a produção descentralizada de energia solar para autoconsumo é particularmente propensa a que sejam gerados excedentes que podem e devem ser economicamente aproveitados, quer através da sua alocação entre os membros de um autoconsumo coletivo ou comunidade de energia, quer da sua agregação para venda em mercado ou através de contratação bilateral (os vulgarmente designados PPA).

Com efeito, os autoconsumidores e os promotores que implementam os projetos de autoconsumo, assumindo muitas vezes estes últimos o papel de entidade gestora do autoconsumo coletivo (EGAC), têm vindo a constituir carteiras de excedentes de energia gerados por UPAC com significativo valor económico que podem negociar e transacionar com qualquer off-taker.

O legislador e o regulador devem atender a estas novas realidades, de modo a que as mesmas estejam devidamente previstas e enquadradas – por exemplo uma maior clareza e simplificação do tratamento fiscal dos autoconsumidores e do produto da venda dos excedentes seria muito útil -, mas tendo sempre presente a preocupação de não sobrecarregar os pequenos produtores e autoconsumidores com encargos e procedimentos excessivamente onerosos e burocráticos.

Sem prejuízo dos desafios acima referidos, é, assim, com satisfação que constato que a produção descentralizada de eletricidade, e o autoconsumo de eletricidade, em particular, são hoje uma realidade (ainda mais) incontornável do sistema elétrico nacional, dando aos consumidores, cidadãos e empresas, a possibilidade de produzir, consumir e transacionar energia renovável, em pleno alinhamento de interesses com os objetivos da transição energética e da sustentabilidade.

  • Duarte Lacerda
  • Associado Sénior de Energia & Alterações Climáticas da CMS Portugal

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