Diretiva CS3D – trigger para litigância ESG?

  • Carla Góis Coelho e Tiago Guerreiro
  • 28 Maio 2024

Com a Diretiva a ter de ser transporta nos próximos 2 anos, o ónus – e o risco – que recai sobre as Grandes Empresas vai, sem dúvida, exigir muito do tecido empresarial da UE em termos de adaptação.

Seja por exigência legal (caso das Grandes Empresas) ou como consequência do funcionamento do mercado (caso das PME), a implementação de estratégias ESG (Environmental, Social e Governance) assumiu nos últimos anos um papel cada vez mais decisivo na estratégia das empresas e muito em decorrência da legislação aprovada pela União Europeia (UE).

É (também) neste contexto que no dia 24 de abril, depois de 2 anos de avanços e recuos, foi aprovada pelo Parlamento Europeu a Diretiva relativa ao Dever de Diligência das Empresas em Matéria de Sustentabilidade. O Conselho aprovou o texto por unanimidade no passado dia 24 de maio.

A Diretiva visa promover a contribuição das empresas para o desenvolvimento sustentável e para a transição económica e social para a sustentabilidade, obrigando-as:

  1. a identificar, através de uma operação de due diligence, efeitos negativos (atuais ou potenciais) nos direitos humanos e no meio ambiente, produzidos quer pelas suas operações diretas e das suas subsidiárias, quer pelas operações dos parceiros comerciais (diretos ou indiretos) integrantes da sua cadeia de atividades;
  2. a atuar sobre esses mesmos efeitos, prevenindo-os ou mitigando-os / reparando-os; e
  3. a adotar um plano para a atenuação das alterações climáticas que assegure que o modelo e a estratégia empresariais são compatíveis com a transição para uma economia sustentável, com a limitação do aquecimento global a 1,5ºC e com o objetivo de alcançar a neutralidade climática.

Na prática exige-se, por exemplo, que uma empresa do setor retalho alimentar avalie a sua cadeia de atividades (downstream e upstream) de modo a garantir que na produção, armazenamento e distribuição dos frutos vermelhos que comercializa não existe qualquer prática de trabalho escravo ou qualquer outra violação de direitos humanos ou do meio ambiente.

Mas e quando tal não acontece? Então exige a Diretiva que sejam tomadas “medidas adequadas” para prevenir / fazer cessar / mitigar efeitos negativos (efetivos ou potenciais), densificando vários procedimentos e atuações a observar e prevendo inclusivamente a obrigação de a empresa terminar a relação com o parceiro comercial em causa quando tal não seja possível.

Desta configuração normativa resulta um âmbito de aplicação indireto da Diretiva, abrangendo as empresas (PME principalmente) que, estando excluídas do seu âmbito de aplicação direto, são objeto do escrutínio que a Diretiva impõe seja feito pelas Grandes Empresas à sua cadeia de valor. Noutro exemplo, a pequena fábrica do setor têxtil que exporta matéria-prima para determinada gigante da moda passa a ter de garantir à sua cliente – porque esta vai estar obrigada a “perguntar-lhe” – que não incorre violações de direitos humanos e/ou de normas ambientais e que tem um código de conduta e plano de ação que as previne. E terá também que – em conjunto com a sua cliente – agir sobre eventuais efeitos negativos que a sua atividade gere no campo ambiental e/ou dos direitos humanos.

As empresas visadas não se resumem, portanto, às Grandes Empresas que preencham os pressupostos do âmbito de aplicação da Diretiva (que mediante determinados pressupostos inclui empresas sediadas foram da UE), sendo este um dos fatores que lhe dá mais relevo.

O outro fator prende-se com a circunstância de, a par da aplicação de sanções pecuniárias de natureza administrativa, a Diretiva prever também uma cláusula geral de responsabilidade civil das empresas e o direito a compensação integral quanto a danos provocados pelos seus parceiros comerciais no âmbito da sua cadeia de atividades.

Esta previsão de responsabilidade civil foi um dos temas mais debatidos e objeto de mais difícil compromisso no texto final da Diretiva, precisamente porque poderá facilitar a litigância ESG:

  • Pode acionar-se independentemente de a empresa não ter agido dolosamente (basta não ter cumprido as suas obrigações em matéria de dever de diligência (apenas) por negligência) e até mesmo quanto já tenha adotado algumas medidas (ainda que se exclua qualquer responsabilidade se os danos tiveram sido causados apenas pelos parceiros comerciais na sua cadeia de atividades);
  • Prevê-se um prazo prescricional mínimo de 5 anos;
  • Determina-se que as custas judicias não poderão ser excessivamente onerosas para os demandantes;
  • Estão em causa o incumprimento de uma obrigação de meios e conceitos indeterminados, potenciando entendimentos divergentes quanto a terem sido ou não tomadas medidas adequadas, e, assim, o recurso à via judicial;
  • Prevê-se a possibilidade de demandante requerer a produção de prova na posse do demandado;
  • Permite-se que sindicatos e organizações não governamentais sejam autorizados a representar judicialmente potenciais lesados.

De fora do texto final da Diretiva, e sem que isso belisque a conclusão avançada, ficaram previsões relacionadas com a inversão do ónus da prova e o estabelecimento do nexo causal.

Obrigações de due diligence semelhantes foram antecipadamente introduzidas na Alemanha, França e Noruega e têm sido a base de várias ações judiciais intentadas por ativistas, associações e sindicatos, tais como a ação judicial intentada por uma NGO Francesa, um sindicato e alguns trabalhadores contra a casa mãe da Yves Rocher, pelo alegado incumprimento de direitos dos trabalhadores de uma das suas subsidiárias na Turquia, ou a ação judicial intentada por 6 NGOs contra a TotalEnergies, com fundamento na violação de direitos humanos e meio ambiente num projeto petrolífero no Uganda que obrigou à deslocação de 4.000 pessoas.

Com a Diretiva a ter de ser transporta nos próximos 2 anos, o ónus – e o risco – que recai sobre as Grandes Empresas (e, indiretamente, sobre as PME suas parceiras comerciais) vai, sem dúvida, exigir muito do tecido empresarial da UE em termos de adaptação e comprovação de procedimentos e de termos contratuais existentes, antecipando-se um aumento de litigância estratégica, pressionando a alteração de regulamentação e de procedimentos e a obtenção de reparação por via de acordos extrajudiciais.

  • Carla Góis Coelho
  • Sócia na área de Resolução de Litígios da PLMJ
  • Tiago Guerreiro
  • Consultor na área de Economia Social da PLMJ

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