Dormir em tempos de pandemia
Em Portugal, os pedidos de consulta do sono, especialmente relacionados com queixas de insónia, ansiedade e depressão, já eram extremamente frequentes antes de vivermos confinados.
Sempre que passamos por alguma mudança relevante na vida, o sono manifesta-se. Podemos ficar com sono a menos, sono a mais ou passar a dormir fora de horas. Podemos ter mais sonhos ou pesadelos, acordar mais vezes durante a noite ou ir dormindo de dia e de noite conforme calha. O certo é que nos períodos de mudança surgem quase sempre alterações significativas nos padrões de sono.
O que aconteceu então ao sono dos portugueses desde o início desta pandemia?
O prognóstico não era grande coisa, já que viver em confinamento representa uma espécie de cocktail fatal para o sono: menos exposição ao sol, menos atividade física, perda de rotinas e diluição dos horários, invasão do trabalho na vida familiar e vice-versa, menos privacidade, sentimentos de solidão, incerteza generalizada sobre o futuro, desemprego, teletrabalho, aumento das preocupações a nível financeiro, profissional, relacional e da saúde… Entre tantos outros, são estes os principais fatores que têm interferido no nosso sono, comprometendo naturalmente outras áreas relevantes da saúde física e mental, qualidade de vida e bem-estar.
É claro que muitas pessoas, libertando-se das imposições horárias de trabalho, escola ou outras obrigações, aproveitaram a oportunidade para ajustar os horários de sono à sua preferência biológica, dormindo mais cedo ou (tipicamente) mais tarde e acertando assim o passo com o seu relógio interno. Mas serão seguramente muitos aqueles que vivem com perturbações do sono, prevendo-se um aumento da incidência de insónias e outras patologias associadas, em especial no campo da ansiedade, depressão e stress.
Num estudo recente sobre os distúrbios de sono em tempos de pandemia, foi descrita uma alta prevalência de problemas de sono tanto na população em geral (32,3%) como nos profissionais de saúde (36%), sendo os doentes com Covid-19 o grupo com maior incidência de perturbações de sono (74,8%). Embora seja necessário clarificar estes resultados, a estreita relação entre sono e imunidade é já bem conhecida na comunidade científica, sendo indiscutível a importância de dormir bem para reforçar as defesas do sistema imunitário.
Em Portugal, os pedidos de consulta do sono, especialmente relacionados com queixas de insónia, ansiedade e depressão, já eram extremamente frequentes antes de vivermos confinados. Desde que a Covid-19 chegou ao nosso país, estes pedidos aumentaram consideravelmente, obrigando-nos a pensar que estratégias temos (ou não) para dormir bem, sobretudo em situações tão desafiantes. Embora possamos ter preocupações mais prementes que o sono, a verdade é que investir em dormir bem garante uma melhor adaptação ao novo contexto em que vivemos, incluindo melhores respostas imunitárias.
Como a necessidade aguça o engenho, têm surgido nas plataformas digitais uma série de recursos úteis para ajudar a dormir melhor nesta fase. Independentemente dos contornos específicos de cada caso, e cada um deve ser avaliado de forma personalizada, para proteger a qualidade do sono durante o confinamento é importante:
- estabelecer e respeitar horários (de sono, alimentação e trabalho)
- redefinir as rotinas diárias (incluindo tomar banho e vestir-se, ter tempo para si)
- ter atenção às sestas durante o dia
- reforçar a exposição à luz solar (à janela, na varanda ou na rua, mesmo quando está mau tempo)
- manter algum nível de exercício físico
- ter estímulos cognitivos durante o dia (e diminuir os estímulos progressivamente ao final do dia)
- gerir o stress relacionado com a pandemia (limitar o tempo que dedica às notícias, por exemplo)
- promover um ambiente favorável ao sono (reservar o quarto ou a cama para dormir).
Apesar destas orientações gerais, pode ser necessário pedir ajuda profissional.
Curiosamente, a 13 de março de 2020, dia que marcou o primeiro confinamento geral em Portugal, celebrávamos também o Dia Mundial do Sono. Um pouco por todo o mundo, sob a alçada da World Sleep Society, cientistas, clínicos e profissionais de várias áreas preparavam-se para atuar como embaixadores do sono, promovendo campanhas de sensibilização e divulgando estratégias fundamentais para garantir bons hábitos de sono nas suas comunidades. Em 2021, o desafio é “Sono regular, futuro saudável”. Numa altura em que o que mais desejamos uns aos outros é “Saúde!”, olhemos também para o sono. Até porque dormir bem ajuda-nos a sonhar com dias melhores.
*Teresa Rebelo Pinto é psicóloga, especialista em sono certificada pela European Sleep Research Society. Foi coordenadora do Projeto Sono Escolas.
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