Economia e ecologia: vamos dar eco à mudança significativa?

  • Vanessa Zuzarte Luís e Verónica Belchior
  • 11 Abril 2024

A ecologia é o conhecimento da casa e a economia é a gestão da casa. Por é que havemos então de ficar surpreendidos pelo estado caótico da economia mundial?

Depois da crise climática, muitos setores económicos enfrentam agora o desafio dos riscos associados à natureza. Os dados são incontestáveis – estimativas do Fórum Económico Mundial, indicam que aproximadamente 55% do PIB global é dependente da natureza, de forma substancial ou moderada. Eventos climáticos extremos, degradação dos solos e oceanos, e uma alarmante diminuição da biodiversidade são realidades cada vez mais tangíveis, representando um risco económico iminente.

A gestão dos impactos e dependências da natureza é fundamental para a viabilidade económica das empresas. No entanto, apesar de chamadas a reportar e agir sobre os riscos inerentes, a maioria das empresas limita-se a cumprir os mínimos requeridos, não agindo proporcionalmente aos riscos. Uma estratégia positiva para a Natureza (nature-positive) ultrapassa em muito a mera obrigação de reporte ou conformidade com as diretrizes (TNFD, SBTN, ESRS, CSRD). Exige uma abordagem global ao negócio, com toda a cadeia de valor; Requer a avaliação de riscos e oportunidades e de desempenho financeiro usando cenários baseados em evidências e numa perspetiva a longo prazo; E beneficiaria da integração de profissionais das ciências com conhecimentos profundos em ecologia, tecnologia e inovação, como agentes de mudança.

Na transição para uma sociedade mais sustentável, a economia e a ciência caminham de mãos dadas. A ciência foi crucial na identificação de alguns dos desafios de sustentabilidade mais prementes do nosso século. É nossa convicção que os profissionais das ciências podem ter um papel igualmente relevante na resolução dos mesmos. Mas será que os profissionais das ciências naturais estão a ser devidamente preparados, durante a sua formação, para enfrentar esses desafios? A questão mais imediata é se existe integração de currículos de economia na formação de ciências naturais, e vice-versa.

A interdisciplinaridade entre as ciências naturais e a economia é fundamental na discussão sobre sustentabilidade. Como é que profissionais das áreas das ciências naturais, gestão e economia podem colaborar eficazmente se não partilham conhecimentos e uma linguagem comum? Conceitos como capital natural, serviços de ecossistemas, economia ambiental – que permitem reconhecer e valorizar a natureza como um ativo – devem fazer parte dos currículos da formação em ciências naturais. Da mesma forma, conceitos como ecologia, ecossistemas, biodiversidade, são fundamentais na formação em economia, para o melhor entendimento das dependências e riscos associados à natureza, trazendo a natureza para a tomada de decisões.

Nas palavras do autor Satish Kumar: “Ecologia e economia são palavras “gémeas”, derivadas do Grego ‘Eco’ ou ‘oikos’ – casa ou família. ‘Logy’ ou ‘logos’ significa conhecimento e ‘nomy’ ou ‘nomos’ significa gestão. Assim, a ecologia é o conhecimento da casa e a economia é a gestão da casa. Por é que havemos então de ficar surpreendidos pelo estado caótico da economia mundial? Está um caos porque os gestores da economia mundial não conhecem a casa que estão a gerir!”

A lacuna nos programas formativos é global. As escolas de economia não contemplam formação em ecologia nos seus currículos e o ensino das ciências naturais não prioriza as ferramentas de valorização económica da natureza. É o momento de reconhecer a necessidade de mudança e agir, para equipar atuais e futuras gerações com as ferramentas necessárias para atuar de forma informada.

O cumprimento da Agenda 2030 requer um compromisso coletivo na execução das estratégias nature-positive, de descarbonização e de impacto social. A fórmula para o sucesso é o esforço colaborativo – entre empresas, governos e sociedade civil – e equipas interdisciplinares, capitalizando o talento e competências dos profissionais das ciências e a vontade crescente de contribuir para uma economia sustentável. Estamos numa corrida contra o tempo – vamos, finalmente, trabalhar em conjunto?

Nota: esta é a coluna da iniciativa cívica Women in ESG Portugal para o ECO, e por meio deste canal pretendemos trazer conteúdos ligados ao ESG de forma descomplicada para a sociedade, na voz de mulheres, de gerações diferentes, que detêm expertise técnica na área.

Para mais informações, aceda ao site: www.winesgpt.com

Glossário:

PIB – Produto Interno Bruto

TNFD – Taskforce on Nature related Financial Disclosures

SBTN – Science Based Targets Network

ESRS – European Sustainability Reporting Standards

CSRD – Corporate Sustainability Reporting Directive

  • Vanessa Zuzarte Luís
  • Bióloga, Chief Molecular Scientist no Global Biosciences Center, SGS
  • Verónica Belchior
  • Bióloga, Gestora de Projetos de Economia Circular e Sustentabilidade, Impact Hub Lisbon

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