Economia portuguesa: Muita areia para os olhos
Uma análise séria dos números da economia mostra-nos a realidade. E a realidade é que os números não são assim tão bons e que o governo os aproveita para nos atirar com mais areia para os olhos:
Esta semana o governo deu “pulos” de contentamento. O INE confirmou que a economia portuguesa cresceu 6,7% em 2022, o crescimento mais alto das últimas décadas, a divida pública está a um nível mais baixo do que estava antes de vir a “troika”, se acreditarmos no ministro Medina, e a inflação mensal desceu 0,2 pontos percentuais em Fevereiro.
A acreditar no ministro Medina, só boas notícias. Só faltou dizer que Portugal se transformou, como que por magia, num tigre céltico como a Irlanda ou numa estrela cintilante como alguns países da Europa de Leste.
Uma análise séria e honesta dos números mostra-nos a realidade. E a realidade é que os números não são assim tão bons e que o governo os aproveita para nos atirar com mais areia para os olhos:
O crescimento económico verificado em 2022 foi como um regresso ao ponto de partida. Portugal foi um dos países que mais tarde recuperou da recessão causada pela pandemia e só em 2022 alcançou o nível do PIB que tinha em 2019 (23 países da UE alcançaram-no em 2020 ou em 2021).
1 – O crescimento económico verificado em 2022 foi como um regresso ao ponto de partida. Portugal foi um dos países que mais tarde recuperou da recessão causada pela pandemia e só em 2022 alcançou o nível do PIB que tinha em 2019 (23 países da UE alcançaram-no em 2020 ou em 2021).
O crescimento tardio da economia portuguesa foi bem evidenciado no gráfico publicado no meu artigo no ECO de há três semanas (aqui), quando saíram os resultados provisórios do crescimento. O sorriso de contentamento que o ministro Medina deu quando falou do crescimento foi como festejar uma vitória no início do jogo.
Mesmo com o crescimento verificado em 2022, Portugal não está a convergir com os países da UE27. E as perspectivas para 2023 não são animadoras uma vez que o consumo, que explicou a maioria do crescimento em 2022, irá sofrer com a degradação das condições de vida das famílias provocada pela subida das taxas de juro, dos preços dos bens e dos serviços, e da pesadíssima carga fiscal com que o governo “asfixia” os portugueses. As renegociações de crédito à habitação e as falências declaradas pelas famílias comprovam-no.
As exportações são o único sinal positivo, mostrando que muitas empresas já aprenderam que é melhor apostarem noutros mercados e que não podem estar dependentes da irracionalidade da política portuguesa. Mas ainda precisam de crescer mais e têm de melhorar o seu perfil, de forma a incorporar maior valor acrescentado.
Desde Agosto de 2022, o número de desempregados em Portugal aumentou 60 mil e a taxa de desemprego subiu de 6% para 7,1%, demonstrando que o crescimento económico verificado em 2022 não está a criar emprego. Pelo contrário, está a permitir que o desemprego se agrave.
2 – No dia seguinte ao crescimento económico foram publicados os dados mensais do emprego para o mês de Janeiro e as notícias não foram mesmo nada boas. Desde Agosto de 2022, o número de desempregados em Portugal aumentou 60 mil e a taxa de desemprego subiu de 6% para 7,1%, demonstrando que o crescimento económico verificado em 2022 não está a criar emprego. Pelo contrário, está a permitir que o desemprego se agrave.
Pior ainda, o número de pessoas cujo desempenho não é totalmente aproveitado pois apenas trabalham algumas horas aumentou em 70 mil desde Setembro de 2022 e a taxa de subutilização do trabalho agravou-se de 11,4% para 12,4%, mais 1 ponto percentual.
A soma dos dois valores mostra que as capacidades de 20% dos trabalhadores não estão a ser devidamente aproveitados para o desenvolvimento do país. Ou seja, 1 em cada 5 trabalhadores portugueses estão a desperdiçar as suas capacidades. Isto não pode ocorrer num país como Portugal, que não consegue convergir com os mais desenvolvidos, e só demonstra a incompetência do governo pela rigidez que vai introduzindo no mercado de trabalho com as alterações da legislação laboral.
A chamada “Agenda do trabalho digno” não é mais do que um conjunto de medidas que vão prejudicar os trabalhadores pois impede-os de aproveitar o seu potencial no nosso país e dificulta o desenvolvimento dos negócios das empresas.
Esta evolução preocupante ocorre numa altura em que aumenta a emigração de jovens muito qualificados que vão procurar melhores condições de vida em outros países, prejudicando ainda mais o aproveitamento de recursos válidos que existem no nosso país, e quando as empresas se queixam da falta de profissionais especializados de que necessitam.
A dívida pública foi talvez o tema em que mais areia foi atirada para os olhos dos portugueses. O ministro Medina deu um mortal à rectaguarda quando anunciou que a dívida do Estado estava agora a um nível mais baixo do que antes de vir a “troika”.
3 – A dívida pública foi talvez o tema em que mais areia foi atirada para os olhos dos portugueses. O ministro Medina deu um mortal à rectaguarda quando anunciou que a dívida do Estado estava agora a um nível mais baixo do que antes de vir a “troika”. O que Medina disse foi que em 2010, antes de vir a troika”, a dívida pública estava em 100% do PIB, e agora está em 113,8%, logo um valor mais baixo. Aliás, pelo critério do ministro Medina já é mais baixo do que nos anos anteriores – do que em 2009, quando era de 87% do PIB, e do que 2008, quando era de 75%. Note-se que foi num governo onde o ministro Medina pontificava no Ministério da Economia que esta evolução extraordinária da divida pública se deu.
Temos um Ministro das Finanças que “chumba” a Lógica Matemática e que finge que Portugal não se comprometeu a ter uma dívida pública abaixo dos 60% do PIB, o que não é cumprido desde 2001, nem que a queda do rácio da dívida pública face ao PIB se deveu ao crescimento do PIB nominal muito influenciado pela elevada inflação, nem que o rácio de dívida pública em 2011 subiu de 100,2% para 114,4% devido ao valor que o PS pediu emprestado quando chamou a troika.
Enfim, pormenores que não convém relembrar. Medina prefere também ignorar o valor absoluto da divida, aquele que vai ser pago pelos portugueses (os portugueses não pagam percentagens de PIB, pagam dinheiro que depois não podem usar para as suas escolhas), que está no valor astronómico de 272,6 mil milhões de euros.
O IPC diminuiu pouco, 0,2 p.p., e continua muito elevado, 8%, um valor demasiado elevado para que justifique qualquer festejo. O valor médio anual da inflação aumentou para 8,6% e o índice harmonizado também subiu, assim como o indicador subjacente da inflação e o índice relativo aos bens alimentares.
4 – O IPC diminuiu pouco, 0,2 p.p., e continua muito elevado, 8%, um valor demasiado elevado para que justifique qualquer festejo. O valor médio anual da inflação aumentou para 8,6% e o índice harmonizado também subiu, assim como o indicador subjacente da inflação e o índice relativo aos bens alimentares, aquele que mais afecta os bens essenciais que as famílias carenciadas consomem e que cresceu mais de 20,1% face a 2022.
Por estes números se vê que o problema da inflação não é temporário nem está a desaparecer, pelo contrário está muito presente e cada vez há mais meses. Em consequência, as taxas de juro vão continuar a subir e com elas os encargos dos portugueses com o crédito à habitação e outros empréstimos que possuem. E Medina só vê as receitas que aumentam com a inflação e apresenta feliz as “suas” contas públicas, sem ter a sensibilidade de baixar os impostos sobre o consumo de alimentos essenciais.
Perante isto, onde é que o ministro Medina vê motivos para contentamento? No dia em que saíram os números do desemprego, Medina desapareceu das televisões. O maior crescimento nos últimos 35 anos criou desemprego. Porque é que Medina não veio explicar as razões aos portugueses. E porque é que as televisões não abriam os noticiários com a explicação?
P.S. Perante o caos que as suas políticas lançaram no país, com as greves na educação, na justiça e nos transportes, e os sucessivos despedimentos de responsáveis na saúde e encerramentos de urgências, o primeiro-ministro resolveu esconder-se fora de Lisboa e do Porto. É típico da sua atitude perante os desafios e os problemas sérios.
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