Eólica offshore: da incerteza à estabilidade em Portugal

  • Tiago Morais
  • 10 Dezembro 2025

O verdadeiro custo seria não avançar — mantendo o país sujeito ao mercado marginal a gás e à volatilidade internacional dos preços.

Portugal destaca-se como um exemplo europeu na transição energética. Em 2024, as fontes renováveis forneceram 71% da eletricidade nacional e, em alguns meses de 2025, ultrapassaram os 80%. É uma conquista notável, mas não um ponto de chegada. A eletrificação da economia, dos transportes e da indústria continuará a aumentar a procura de eletricidade. A questão agora é que tipo de capacidade deve ser adicionada. A energia solar e a eólica terrestre continuarão a crescer, mas enfrentam limitações naturais: a solar depende da luz do dia; a eólica terrestre enfrenta constrangimentos territoriais e sociais; e a hídrica, embora vital como reserva, está praticamente no limite do seu potencial de expansão.

A eólica offshore flutuante surge, assim, como a alternativa mais viável para sustentar o aumento da procura elétrica com energia renovável firme e previsível. É essencial evitar um retrocesso societal: a estabilidade do sistema não será alcançada regressando ao gás ou apostando na energia nuclear — ambas dependentes de matérias-primas importadas, que expõem o país a riscos de preço e geopolíticos — mas sim reforçando a complementaridade das fontes renováveis.

Preços da energia abaixo da média europeia

Apesar dos progressos no setor elétrico, Portugal continua a enfrentar preços de eletricidade para consumidores domésticos na ordem dos €0,26 por kWh (incluindo todos os impostos e taxas), comparados com uma média europeia de cerca de €0,29 por kWh. A melhoria da posição portuguesa reflete o facto de a elevada quota de geração renovável reduzir o número de horas em que o gás define o preço da eletricidade, enquanto a Exceção Ibérica e a menor dependência de gás russo ajudaram a conter os picos de preços grossistas durante as recentes crises energéticas. Contudo, ainda assim, uma parte significativa do preço final pago pelas famílias portuguesas não provém da produção de energia, mas sim da estrutura tarifária e fiscal.

Segundo declarações recentes da Ministra do Ambiente e Energia, os encargos históricos de política energética deverão expirar entre 2030 e 2032, libertando o sistema de custos herdados. Para contextualizar, em 2006 o país pagava, através de tarifas garantidas, €379/MWh pela energia solar fotovoltaica e €92/MWh pela eólica terrestre, enquanto o preço médio de mercado era de apenas €65/MWh. Hoje, os leilões solares fixam preços entre €20–30, a eólica terrestre entre €45–55/MWh, e a eólica offshore flutuante entre €85/MWh (França, 2024) e €195/MWh (Reino Unido, 2024). Mesmo com uma média em torno de €140/MWh, a eólica offshore flutuante pode ser considerada competitiva quando se têm em conta os picos de preços associados ao gás — e sobretudo porque garante previsibilidade e soberania energética. No Mercado Ibérico de Eletricidade (MIBEL), o preço diário é determinado pela última central necessária para satisfazer a procura — a chamada central marginal. Quando as renováveis não conseguem cobrir a procura total, entra em funcionamento uma central a gás, e o seu custo define o preço pago a todos os produtores, incluindo renováveis. Assim, mesmo com 80% de eletricidade limpa, Portugal continua a pagar o preço do gás, o que faz com que o país permaneça estruturalmente exposto à volatilidade do gás natural importado. Recordemos que, em 2022, na Europa, o gás atingiu o preço de 300€/MWh.

A Ministra do Ambiente e Energia afirmou também recentemente que a energia eólica offshore só existirá quando se tornar economicamente viável. É uma posição prudente, mas a viabilidade não pode ser avaliada apenas pelo preço imediato da eletricidade. A eólica offshore flutuante é mais do que energia: é um motor de desenvolvimento industrial e regional, capaz de criar uma nova economia azul portuguesa. Cada gigawatt instalado representa milhares de empregos diretos e indiretos, investimento em portos e estaleiros, produção metalomecânica, engenharia marítima, formação profissional e atração de capital estrangeiro. Portugal dispõe de conhecimento marítimo e industrial para nacionalizar uma parte significativa desta cadeia de valor — desde estaleiros, sistemas de ancoragem e cabos submarinos até engenharia offshore e investigação oceanográfica.

O verdadeiro custo é não avançar

O verdadeiro custo seria não avançar — mantendo o país sujeito ao mercado marginal a gás e à volatilidade internacional dos preços. Através de Contratos por Diferença (CfD), Portugal pode substituir incerteza por estabilidade: se o preço de mercado for inferior ao preço de referência, o Estado paga a diferença; se for superior, o produtor devolve o excedente. Este modelo, já testado em França e no Reino Unido, assegura previsibilidade a longo prazo e beneficia consumidores e investidores.

Portugal liderou a primeira vaga renovável porque acreditou antes de ser “viável”. Se tivesse esperado pela maturidade tecnológica total, não teria hoje 70–80% de eletricidade limpa. O desafio agora é semelhante: apostar no vento atlântico antes que a urgência dite as condições.

A questão fundamental não é se a eólica offshore flutuante é “cara”, mas se Portugal prefere o custo estável da produção doméstica limpa ou a continuação da exposição a combustíveis importados voláteis. A eólica offshore flotante não é, por isso, apenas mais uma opção energética, mas uma decisão estratégica sobre o tipo de economia que o país pretende construir — uma vulnerável aos ciclos fósseis globais ou uma ancorada em energia renovável previsível, soberana e geradora de valor.

  • Tiago Morais
  • Gestor de Desenvolvimento de Eólica Flutuante em Portugal para a Iberblue Wind

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