Este é o pior momento para pensar nos incêndios florestais
Este é o pior momento para pensar nos incêndios florestais. Mas é infelizmente o único para que todos o façamos.
E pensar na floresta é olhar para a sua relevância estrutural. Na sociedade e no ambiente.
Viver com o fogo
Portugal tem que saber viver com os incêndios florestais. Mas isso não explica nem perdoa 64 mortos e mais de 250 feridos. Aceitar a inevitabilidade dos incêndios florestais responsabiliza-nos a todos e em especial os decisores políticos para tomar atempadamente as medidas para lidar com esta realidade. E esse é um trabalho de anos e de décadas.
Por maiores que tenham sido as falhas no combate especifico deste incêndio, a maior de todas é estrutural – é que se continua a olhar para o fogo como algo que vamos impedir de acontecer e apagar. E portanto o foco está no combate e marginalmente na prevenção. Mas não na preparação para o inevitável. Podemos e devemos fazer tudo para prevenir e combater os incêndios florestais. Mas em nenhum momento podemos aceitar que 64 pessoas morram de forma tão brutal.
E para salvaguardar vidas, as pessoas que vivem e trabalham dentro da floresta têm que estar preparadas para reagir ao fogo e dispor de meios de auto ajuda e de proteção adequados. As pessoas são parte da solução. É indispensável que estas populações recebam formação teórica e prática regular para saber como agir. E que ninguém se iluda – a prática perante fogo real é toda uma outra realidade, como só sabe quem já o viveu.
Neste combate é fulcral ter o povo em armas. Mas é também indispensável, para além da já obrigatória redução de combustíveis em torno das habitações, que estas populações disponham de abrigos equipados e seguros para se refugiarem do fogo, em vez de se verem obrigados a fugir ou a simplesmente gritar pelos Bombeiros. Para que quando a batalha está perdida, não se percam vidas, nem andem os Bombeiros a desdobrar-se em missões heroicas e quase suicidas.
E depois do incêndio é imperativo que, enquanto sociedade, sejamos solidários com quem tudo perdeu – e esta solidariedade tem que durar muito para além das manchetes dos jornais. Porque na floresta o tempo mede-se em décadas e não em dias ou semanas.
Um caso de sucesso
Portugal tem na floresta uma enorme riqueza, que contribui significativamente para a coesão social e territorial, para a preservação dos ecossistemas, da paisagem e ambiente, e para a economia com 3% do PIB e 12% das exportações. Temos características únicas que nos permitem sermos o maior produtor mundial de cortiça. E tivemos a arte e o engenho de termos a melhor industria de rolhas e produtos de cortiça.
Os eucaliptos, essa tão mal amada espécie, em Portugal produzem a melhor celulose do mundo para papel – e temos a industria que produz o melhor papel do mundo. E a industria que revolucionou o papel higiénico.
Dois claros exemplos de como a fórmula “natureza + inovação” trouxe desenvolvimento para o país.
Américo Amorim começou a fortuna na cortiça, a Sonae começou na fileira florestal, e a Navigator Company é uma referência mundial.
Mas quase nunca é por isto que a floresta chega às manchetes.
Onde o mercado não chega
Infelizmente também temos uma enorme área do território florestal, que, pelas suas características geográficas e climáticas e de estrutura de propriedade, não tem sustentabilidade sócio-económica. E é nestas áreas que tipicamente deflagram os maiores e mais devastadores incêndios.
Porque o fogo é a principal atividade económica destes territórios. Não o afirmo insinuando que há mão criminosa nos incêndios – as autoridades competentes o apurarão e a mera ideia me parece demasiado monstruosa – mas porque não existindo a capacidade económica dos proprietários, nem uma intervenção pública eficaz, as mesmas áreas ardem ano após ano.
E por isso considero que os incêndios florestais são, antes de tudo, um problema sócio-económico com enorme impacto ambiental – e que é por essa via que se devem abordar. Em vez de nos preocuparmos em proibir o eucalipto – que onde é gerido e tem rentabilidade raramente arde com impacto significativo – deveríamos encorajar a plantação e gestão de outras espécies autóctones extremamente úteis para abrandar o fogo e para o ecossistema.
Deveríamos incentivar a manutenção de rebanhos a pastar em regime extensivo, que são uma forma natural de gerir os matos. E compensar quem mantém florestas de conservação, necessárias para a preservação de ecossistemas, espécies, paisagens e ciclos do solo e da água. Porque devemos tratar os cidadãos que detêm e vivem e trabalham na floresta como parceiros úteis e responsáveis, para que tenham a liberdade de agir como devem, recebendo da sociedade a justa recompensa pelo que contribuem para o bem comum. Até porque proibir ou obrigar não resultou até agora.
A verdade é que até hoje temos quase sempre esquecido a floresta assim que o telejornal deixa de abrir com os incêndios. Porque infelizmente a pior altura para tratar dos incêndios florestais tem sido a única – e isso tem que mudar já.
Nuno Santos Fernandes é produtor florestal, foi dirigente da AFLOPS Associação de Produtores Florestais, é empresário e um dos fundadores da Iniciativa Liberal.
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