Farinha, podre, do mesmo saco
As escolhas de Trump e de Bolsonaro nesta guerra histórica da humanidade extravasam definitivamente a irresponsabilidade, a estupidez, o ridículo, o autoritarismo, a arrogância, o egocentrismo.
Esta madrugada, sem sono, ouvi o meu podcast preferido, o ‘The Daily’ do New York Times. Dei com o de 20 de Março, uma entrevista a um taxista reformado. À medida que ouvia as suas palavras, serenas, foi crescendo dentro de mim, incontrolável, uma raiva convicta.
Em plena pandemia, este taxista Argentino, que o sonho de uma vida melhor levou há quarenta e sete anos para os Estados Unidos, explicou que não tem outra hipótese que não a de continuar a trabalhar. De outra forma, não terá sustento, nem sequer para comer. Por isso, todos os dias, muitas vezes por dia, faz por transportar alguém que, por um lado, lhe garante o sustento de vida e, ao mesmo tempo, ameaça contagiá-lo com o vírus letal que pode tirar-lha. Vive nesta roleta russa diária, prisioneiro no seu carro. De quando em vez, na rádio que ouve pela companhia e para se manter a par da evolução da tragédia, surgem-lhe as respostas várias que o seu Presidente tem para si e para todos os Americanos que vivem na mesma angústia. Por exemplo, “Our people want to return to work.”
Trump, do alto da realidade paralela em que vive, começou por considerar a pandemia um embuste. Com mais de 650.000 pessoas infectadas em todo o mundo, mais de 30.000 mortos, com o cenário de guerra em Itália e Espanha montado em pleno, manteve-se fiel à sua postura de sempre: Considerar-se o ‘smartest guy in the room’ ignorando, descaradamente, os conselhos de todos os especialistas. Não só se recusa a mandar as pessoas para casa, como vão fazendo os Chefes de Estado por todo o mundo, como, sem ponta de remorso nem vergonha, pede aos americanos que continuem a ir trabalhar. Hoje, dia 28, os Estados Unidos registam já mais de 120 mil infectados e têm mais de duas mil mortes a lamentar. Hoje, dia 28, morreu a vítima até agora mais jovem do coronavírus: um americano de dezassete anos que não foi socorrido a tempo no hospital porque não tinha seguro de saúde.
Bolsonaro, fiel a si mesmo, segue, como sempre, a postura do seu ídolo, o Presidente norte-americano. Depois de recusar fechar Igrejas e centros comerciais, foi contra as indicações do seu próprio Ministro da Saúde e recusou-se a fazer quarentena depois de mais de quinze membros da comitiva que o acompanhou aos Estados Unidos terem testado positivo ao Covid-19. E prosseguiu, sempre a piorar: depois de convocar manifestações com o intuito de encerrar o Supremo Tribunal Federal e o Congresso fez questão de cumprimentar os manifestantes com beijos e abraços, ignorando, egoisticamente, a real possibilidade de estar a disseminar junto dos seus próprios apoiantes, o que denomina porgripezinha. No seu último discurso ao país, teoriza pateticamente em directo, pondo em causa o fecho das escolas. Porquê?! Se só os velhos é que morrem?!! Tudo isto num país em que, ironicamente, até os traficantes protegem conscientemente os seus mais velhos impondo o recolher obrigatório nas favelas.
É certo que o descalabro económico que já estamos a viver por força desta pandemia se agrava cada dia pela necessidade urgente das medidas sanitárias obrigatórias que impõem mais isolamento social e, logo, mais imobilismo à economia. Este ponto poderia levar a uma discussão importante que, no concreto contexto do artigo, não se justifica. Por uma razão: a defesa do princípio de que ‘a economia não pode parar’ não obrigava a que tivessem encarado o coronavírus com esta leveza de espírito criminosa. Pelo contrário, se tivessem levado o vírus a sério desde o início, Trump e Bolsonaro não teriam de tomar medidas tão agressivas como as que, agora, se verão obrigados a tomar. E este atraso na tomada de consciência vai prejudicar, ainda mais gravemente, as suas economias.
Sem surpresa, Trump e Bolsonaro que, juntos, são responsáveis pelos destinos de mais de 540 milhões de cidadãos que juraram defender, escolheram subestimar o COVID-19. Para os americanos e para os brasileiros, viver esta pandemia com D. Trump e J. Bolsonaro como Chefes de Estado será ainda muito mais devastador do que já era à partida. Ao contrário das escolhas que ambos professam relativamente às alterações climáticas, as suas consequências não vão ser um problema para daqui a 30 anos. São de hoje, são de agora. Ambos têm já sangue nas mãos. E a História vai assinalá-lo.
As escolhas de Trump e de Bolsonaro nesta guerra histórica da humanidade extravasam definitivamente a irresponsabilidade, a estupidez, o ridículo, o autoritarismo, a arrogância, o egocentrismo. Na verdade, definem-nos irrevogavelmente: são puros biltres sem categoria, consciência e humanidade. É nosso dever moral, de todos e de cada um de nós que prezamos o valor da dignidade humana, denunciá-los e combatê-los com todas as nossas forças.
Nota: Por opção própria, o autor não escreve segundo o novo acordo ortográfico.
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