Fora com os advogados

Com um governo minoritário, é preciso alguma flexibilidade para termos um parlamento a trabalhar em áreas que tenham benefícios para o país em vez de apenas benefícios políticos para um partido.

Numa sessão do Global Solutions Summit em Berlim esta semana, Vera Thorstensen, economista com vasta experiência em organizações de comércio internacional, lançou-se numa tirada épica sobre como salvar a Organização Mundial do Comércio (OMC) “Precisamos de flexibilidade. Ponham os diplomatas à mesa das negociações. Fora com os advogados! Os economistas podem calcular os custos, e os diplomatas podem conduzir as negociações”.

O argumento de Thorstensen é que os advogados são úteis quando as instituições funcionam e todos seguem regras mais ou menos claras. No entanto, são pouco eficazes quando as instituições não operam corretamente ou quando é preciso desbloquear negociações.

Atualmente a OMC, uma organização onde os países membros discutem, negoceiam e resolvem questões relacionadas com o comércio internacional, não funciona muito bem. Apesar de as regras ainda estarem em vigor e os membros continuarem a usar o mecanismo de queixas, as decisões de arbitragem não são necessariamente respeitadas, especialmente porque o órgão de recurso está inativo desde 2019.

Existem propostas para uma reforma do funcionamento da OMC e para novos acordos comerciais; contudo, as negociações recentes têm fracassado, principalmente devido ao bloqueio por parte dos países grandes, incluindo China, Estados Unidos, mas também a Índia. Isto significa que as decisões de política comercial são hoje determinadas por cálculos geopolíticos que beneficiam um bloco e prejudicam outro, em vez do tipo de políticas que têm o potencial de beneficiar as duas partes, e que determinaram o sucesso da OMC durante muitos anos.

Este cenário de paralisia, pontuada por acordos oportunistas, parece também uma boa previsão dos próximos tempos no parlamento português. Os partidos têm mostrado pouca disponibilidade para negociar, e ainda menor para chegar a acordos construtivos. Esta postura inflexível pode ser uma tentativa de passar um sinal de força junto aos eleitores, numa altura em que temos eleições europeias, e possivelmente outras legislativas em breve. Contudo, com um governo minoritário, é preciso alguma flexibilidade para termos um parlamento funcional e a trabalhar em áreas que tenham o potencial de ter benefícios para o país (e, claro, para os partidos em acordo), em vez de apenas benefícios políticos de curto prazo para um partido em detrimento de outro.

Esta inflexibilidade oportunista eventualmente terá custos para os partidos envolvidos. Mas é também irresistível. Nenhum partido tem o incentivo de evitar este comportamento, se os outros partidos também o estão a fazer. Como consequência, o mais provável é termos um parlamento inativo nos próximos anos.

Pode então valer a pena tentar uma variação da sugestão de Vera Thorstensen e excluir juristas e economistas das negociações cruciais entre os partidos, pelo menos nos assuntos mais importantes desta legislatura. Uma vez que a maior parte dos políticos mais influentes são juristas, isso poderia até ajudar a desbloquear algumas das negociações. Em vez de políticos a negociar, poderíamos ter negociadores profissionais de cada partido com um mandato político, mas mais interessados em chegar a um acordo. Os economistas seriam responsáveis por calcular os custos de cada proposta. Os juristas só apareciam depois das negociações estarem concluídas.

Se o bom senso não aparecer, fica a ideia.

  • Professor de Economia Internacional na ESCP Business School

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