Fugas de informação. O que falta? Vontade de saber a verdade
Mas o MP continua a assobiar para o lado, a insistir na mesma tecla de que o segredo de Justiça deve existir (reminder: a lei diz que este deveria ser exceção, a prática diz que é regra).
Lembrei-me por estes dias de um trabalho que escrevi nos meus dez anos de casa de Diário de Notícias. Corria o ano de 2014, em pleno reinado de Joana Marques Vidal. Com toda a pompa e circunstância, o palácio da PGR, localizado na Rua da Escola Politécnica, recebeu dezenas de jornalistas, magistrados e um punhado de personalidades ligadas à Justiça. Objetivo? Anunciar os resultados de uma alegada ‘caça às bruxas’ face às constantes fugas de informação relativas a processos ditos mediáticos que estavam a multiplicar-se que nem cogumelos.
Recorde-se que estávamos no ano em que só mesmo meses depois é que viria a começar aquele que – a seguir à Casa Pia – já foi considerado um dos processos mais badalados na praça pública: a Operação Marquês. Era imperioso acabar com esse flagelo chamado de violação do segredo de Justiça. Um ano antes, escolheu-se um inspetor para o efeito, João Rato – que em poucos dias foi escrutinado pela imprensa – declarou-se que esta averiguação tinha caráter de urgência e foi dito que seria feito um levantamento rigoroso e pormenorizado de forma a perceber quem, como e quando se violava esse segredo.
E então? Que resultados? Nove acusações deduzidas, das quais se perdeu o rasto público, e recados a jornalistas, com a possibilidade de escutas aos mesmos e buscas às redações. Porém, admitia-se que, proporcionalmente, eram as investigações a decorrer no DCIAP que mais casos de fugas de informação registavam.
Seis anos volvidos… e o que mudou? Nada, ou quase nada. Mudaram os processos mediáticos que crescem de ano para ano. Mudou a titular da investigação criminal – Lucília Gago – que pouco conhecemos a sua posição sobre o assunto. E as notícias continuam a aparecer em (alguns) jornais. Mas só em alguns, os mesmos de sempre. Declaração de interesses: o mal não é esse, atenção. Enquanto jornalista, mal seria se não considerasse haver interesse público na divulgação de informação relativa a alegados crimes praticados por ex governantes ou banqueiros. Mas o Ministério Público continua a assobiar para o lado, a insistir na mesma tecla de que o segredo de Justiça deve existir (reminder: a lei diz que este segredo deveria ser exceção, a prática diz que é a regra) e achando que este ‘no pasa nada’ faça esquecer que todos os dias nos aparecem informações que só à Justiça deveriam pertencer mas que rapidamente se tornam em conversa de café ou de viagem de táxi. Com acusações conhecidas antes das partes serem notificadas (até com o número de páginas!), interrogatórios divulgados em prime time das televisões, detenções em direto de figuras públicas.
E de quem é a culpa? Dos jornalistas não é concerteza que ainda não têm o poder da adivinhação. Já o disse perante vários procuradores do Ministério Público – nos já recorrentes casos em que sou eu sentada no banco dos arguidos por suspeitas deste crime (shame on me!) – em que relembro que nós somos apenas o veículo. Que de algum lado vem tudo aquilo que se esgota em oráculos de telejornais ou em manchetes de jornais.
De forma humilde e recatada, sugiro o seguinte, senhora Procuradora – Geral: que tal passar a punir disciplinarmente o magistrado titular do processo, por cada vez que uma informação saia nos jornais em casos em que há segredo de justiça?
Porque eu vou explicar como se estivesse a falar para o meu filho de quatro anos: há uma altura em que são muito poucos os intervenientes com verdadeiro acesso ao processo (que na maioria dos casos nem os advogados de defesa têm). Logo, se começar a punir-se quem é hierarquicamente responsável, talvez o controle interno fosse mais eficiente, não? Mas o que falta? O que falta, meus caros, é a vontade. A vontade de se saber a verdade.
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