IA e o cérebro das organizações: está a usar os dois lados?

  • Vera Oliveira Santos
  • 19 Setembro 2025

O que a parentalidade, a neurociência e a transformação digital têm em comum — uma reflexão pessoal sobre como aplicar inteligência artificial com equilíbrio entre lógica e criatividade.

Nas últimas semanas, tenho-me debruçado sobre o livro “O Cérebro da Criança”, de Daniel J. Siegel e Tina Payne Bryson. A motivação é simples e muito pessoal: sou mãe de um miúdo de dois anos e meio, e, como muitos pais, procuro entender melhor como posso apoiá-lo no seu desenvolvimento emocional e cognitivo.

Mas, como acontece tantas vezes (e ainda bem), os temas da vida pessoal cruzam-se com a vida profissional e este livro não foi exceção. Ao reler sobre a importância de integrar os dois hemisférios do cérebro (o esquerdo, lógico, estruturado, analítico, e o direito, criativo, intuitivo, emocional), dei por mim a rever ideias que já explorei noutros contextos e experiências.

Durante anos, fui responsável pela implementação de vários processos de inovação em grandes organizações e também pela formação de executivos, onde recorria precisamente a esta metáfora dos hemisférios cerebrais para falar sobre liderança, aprendizagem e transformação organizacional. Era uma forma eficaz de ilustrar a importância de equilibrar estrutura com criatividade, razão com emoção. Hoje, lidero projetos de interceção entre dados, inteligência artificial e estratégia, e essa mesma metáfora voltou a fazer sentido — talvez mais do que nunca.

Vejo muitas organizações a investir fortemente em IA, mas muitas vezes com uma visão desequilibrada: muito foco no lado “esquerdo” — automação, eficiência, processos, previsibilidade — e pouco espaço para o lado “direito” — experimentação, empatia, inovação, geração criativa de valor.

Tal como uma criança precisa de aprender a ligar os dois lados do cérebro para crescer de forma saudável, também as empresas precisam de aprender a aplicar a inteligência artificial com uma visão verdadeiramente holística. Só assim conseguimos construir um “cérebro organizacional” verdadeiramente inteligente, que pensa, mas também imagina.

O lado esquerdo é o lado da IA que mais rapidamente ganhou espaço no mundo corporativo: aquele que permite automatizar tarefas, reduzir custos operacionais, melhorar previsibilidade e tomar decisões baseadas em dados.

Estamos a falar de soluções como modelos preditivos para forecasting, automação Robótica de Processos (RPA) com AI para processos repetitivos, deteção de fraude e risco, dashboards inteligentes e algoritmos de recomendação personalizados.

É um tipo de IA que encaixa bem na lógica dos objetivos delineados nas empresas e dos relatórios, que muitos CFOs e diretores operacionais conhecem bem. Mas raramente responde à pergunta mais poderosa: “e se fizéssemos diferente?”

O lado direito convida à exploração: ferramentas generativas, simulações de cenários, criação de conteúdos, design assistido por IA. Não substitui a criatividade humana. Expande-a.

Quantas vezes não recorreu já ao ChatGPT, por exemplo, para se inspirar numa mensagem mais estruturada, num texto mais claro ou até numa ideia que estava a custar sair? Mas isso só funciona verdadeiramente quando sabemos o que queremos pedir, quando conseguimos estruturar o pensamento, ou “promptar” com intenção e clareza. Ou seja, para que haja criatividade, o lado lógico (e humano) tem de estar bem presente.

Este é o lado da IA que surpreende, inspira e abre caminho à disrupção, mas que exige abertura, coragem e espaço para errar.

O lado esquerdo da IA dá-nos rigor e previsibilidade, o direito, inspiração e diferenciação. Mas o verdadeiro ponto de viragem está na capacidade de juntar estes dois mundos. De colocar o pensamento analítico ao serviço da criatividade, de usar dados para alimentar ideias, e ideias para gerar novos dados e de criar uma cultura onde a IA não é apenas um motor de eficiência, mas também um catalisador de imaginação estratégica.

Na prática, isso implica cruzar equipas de dados com equipas criativas, ligar eficiência com emoção nas experiências que desenhamos e estimular o pensamento analítico e divergente lado a lado.

Enquanto mãe, fascina-me ver como o cérebro do meu filho se vai construindo aos poucos, aprendendo a sentir, a pensar, a imaginar. Enquanto profissional, vejo nas organizações o mesmo desafio: crescer com equilíbrio e inteligência e não apenas escalar.

E agora, a pergunta-chave: a sua organização está a construir um cérebro completo ou está a deixar metade da inteligência de fora?

  • Vera Oliveira Santos
  • Director of data services na Devoteam Portugal

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