Incertezas e o Tio Sam

  • Maria João Mata
  • 23 Dezembro 2019

Leia aqui o artigo de opinião da sócia da sociedade Miranda & Associados, Maria João Mata, sobre as operações de M&A durante o ano de 2019.

No final do passado mês de outubro foram divulgados dados relativos às operações de M&A realizadas em Portugal ao longo do presente ano. Mais do que as tendências registadas quanto ao volume de transações ou quanto aos valores que as mesmas representam, o estudo indica, sem surpresa, que o investimento estrangeiro domina o mercado transacional português, representando 90% do seu valor, revelando que os norte-americanos tomaram a liderança e ultrapassaram nuestros hermanos.

Em 2019 foram amplamente noticiadas as aquisições da WeDo Technologies pela Mobileum (€ 70 milhões, podendo atingir os € 100 milhões), de uma participação minoritária no capital da Mystic Investment Holding pela Certares (€ 250 milhões) e a venda do André Jordan Group à Oaktree Capital Management (€ 500 milhões). Do lado vendedor, destaca-se a venda pela Apollo da Seguradoras Unidas (antiga Tranquilidade), anunciada no passado mês de julho, por € 600 milhões.

Curiosamente, um inquérito dirigido ao top management de diversas empresas americanas, noticiado há apenas alguns dias, revela o que é descrito como uma “onda de pessimismo a varrer as empresas norte-americanas” quanto às perspetivas da evolução da economia dos EUA no próximo ano.

Numa rápida volta pelos números refere-se que apenas 33% dos participantes estavam otimistas com o mercado transacional para 2020 (o que compara com 65% de otimismo em 2018 face a 2019) e que 41% antecipava que nos próximos 12 meses se assistiria a uma queda nas avaliações de ativos.

Com um ambiente económico reconhecidamente favorável, dispondo de baixas taxas de juro, fácil acesso a diversos meios de financiamento, ainda a beneficiar da redução da carga fiscal sobre as empresas promovida em 2017 pelo Presidente Trump, entre tantos outros aspetos, quais os fatores que justificam a falta de confiança no futuro? São dois, ambos políticos.

Um prende-se com os reflexos já sentidos internamente das conhecidas tensões comerciais entre os EUA e a China e a incerteza quanto a um possível acordo comercial entre os dois países, aliada ao receio de contaminação para outras geografias.

O outro diz respeito às eleições americanas que terão lugar no próximo ano. É que embora haja quem entenda que as eleições não terão qualquer impacto no mercado transacional, que as decisões sobre investimentos e desinvestimentos não dependem de resultados eleitorais, poderá não ser exatamente assim se tivermos em linha de conta o receio de, num cenário de vitória do Partido Democrata, serem aprovadas propostas – aliás já anunciadas por alguns candidatos – de aumento dos impostos sobre as empresas e de reforço de regras de natureza regulatória, muito temidas pelas major corporations.

Pessimismos à parte, o que várias notícias, entrevistas e estudos também revelam é a crescente incerteza que tem marcado os últimos anos quanto ao que trará o ano seguinte, num ciclo económico favorável e longo, ainda positivo, num ano com menos negócios, em que está por saber se representarão mais ou menos valor que o anterior.

Esta incerteza pode mesmo, em alguns casos, não obstaculizar decisões de desinvestimento, como se viu pela anunciada intenção de venda da Brisa no próximo ano, e incentivar futuras aquisições, sobretudo em áreas core. Como pode também potenciar o “wait and see”, que já se sente de forma clara no lado do private equity.

Em qualquer dos casos, o investimento estrangeiro continuará seguramente a representar uma parte muito significativa do mercado de M&A em Portugal. Esteja este animado ou adormecido. E contando ou não com a presença do Tio Sam.

*Maria João Mata é sócia da Miranda & Associados.

  • Maria João Mata
  • Sócia da Miranda & Associados

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