Inteligência artificial e advocacia
No futuro próximo alguns escritórios podem beneficiar do aumento da eficiência e produtividade, mas em pouco tempo o mercado levará à repercussão desse benefício em favor dos clientes.
Quem anda nesta profissão há tempo suficiente sabe que recorrentemente surgem as chamadas tendências. Passámos há muitos anos pelo movimento de internacionalização dos escritórios, temos assistido a processos de concentração com o surgimento de cada vez mais e maiores sociedades de advogados. Após a pandemia, vimos a mudança de muitos escritórios de um modelo presencial para um modelo remoto ou híbrido. Todos estes movimentos têm alterado substancialmente a forma de trabalhar e a estrutura da advocacia em Portugal. Contudo, estas mudanças parecem empalidecer face à dimensão das alterações estruturais propostas pela inteligência artificial.
A introdução da inteligência artificial baseada em large Language models (“LLMs”) como o ChatGPT é recente, tornando incerto o futuro desses desenvolvimentos. Especificamente para a profissão são ainda mais recentes os sistemas baseados em LLMs treinados especificamente em temas jurídicos como o Spellbook ou o Leya.
É sintomático que o conhecido teste de Turing, considerado durante muito tempo como o parâmetro para avaliar se um sistema não natural pode ser considerado como inteligente, tenha sido frequentemente questionado. A razão é simples: os sistemas actuais passam, em muitos contextos, o teste de Turing, mas amiúde estamos relutantes em os reconhecer como inteligentes.
O teste é enganosamente simples, um jogador humano (A) e um jogador artificial (B) interagem com um árbitro (C) sem que este possa vê-los. O jogador artificial B será inteligente se C não conseguir distinguir entre humano e máquina.
Sucede que os LLMs escrevem e falam numa linguagem elegante e cuidada, independentemente da língua e captam corretamente o sentido e as nuances da larga maioria dos pedidos que lhes são feitos. A dimensão do salto de capacidade que foi dado nos últimos poucos anos é simultaneamente deslumbrante e aterrador.
Ao comando “descreve o impacto futuro da inteligência artificial no trabalho dos advogados. resume a resposta”, obtivemos: “Claro! A inteligência artificial (IA) terá um impacto significativo no trabalho dos advogados, incluindo:
- Automatização de Tarefas Repetitivas: Pesquisa jurídica e revisão de documentos serão mais rápidas e precisas.
- Análise Preditiva: Previsão de resultados de litígios e avaliação de riscos ajudarão na tomada de decisões.
- Aumento da Eficiência: Automação de processos administrativos reduzirá custos e libertará tempo para tarefas complexas.
- Personalização de Serviços: Assistentes virtuais e soluções sob medida melhorarão a experiência do cliente.
Em resumo, a IA promete aumentar a eficiência e a precisão no campo jurídico, mas também traz desafios éticos e a necessidade de adaptação contínua.”
Tendo testado diversos usos para a tecnologia actualmente disponível é óbvio o valor acrescentado destes sistemas em várias funções como:
- Revisão de texto e revisão de tradução, não se limitando a questões meramente gramaticais ou ortográficas.
- Análise de documentos independentemente do formato respondendo a questões concretas sobre a informação neles contida ou a séries de perguntas pré-elaboradas.
- Redação de cláusulas contratuais ou contratos a pedido do utilizador ou revisão dos mesmos.
Genericamente estamos a falar de um aumento de eficiência em trabalho não padronizado na ordem dos 30% a 40% com os sistemas actualmente disponíveis. Em trabalho padronizado o valor dispara. Para quem começou a trabalhar no mundo da carta e do fax, e viu o volume de trabalho de cada advogado multiplicar-se por várias vezes nos últimos 25 anos, é claro que este processo de automatização apenas se irá tornando cada vez mais rápido. Como será a profissão no futuro?
Os advogados irão ter uma parte da sua actividade concentrada na formulação de perguntas, de comandos e em dar contexto à IA para que esta possa redigir as cláusulas ou comentários mais adequados? Ou trabalharão como revisores e orientadores da IA mas, por ineficiente, deixarão de redigir diretamente pareceres e clausulas contratuais? É muito possível.
Fazendo a IA muito do trabalho de pesquisa e análise de base típico dos primeiros anos de profissão, pelo menos para quem trabalha em equipas, como irão os escritórios e departamentos jurídicos formar os advogados do futuro? É uma pergunta sem resposta óbvia. Possivelmente a resposta passará por não saberem fazer esse trabalho pelo qual muitos de nós começámos na profissão, mas saberem, e bem, fazer o trabalho do futuro, redigir instruções, dar contexto e fazer tabelas de revisão para a IA trabalhar em assuntos específicos.
De notar que para já tracei estes cenários para tarefas mais padronizadas como as contratuais e de parecer jurídico. De facto, a AI actual lida muito melhor com estes trabalhos do que com a redação de peças processuais. De momento, a AI em contencioso tem funções preditivas e em acções padronizadas mas não na subtil arte de apresentar factos em juízo. Será certamente uma questão de tempo.
Também é provável que muitas questões de consulta jurídica e análise contratual básica venham a ser subtraídas ao trabalho do advogado. Não será nenhuma lei que impedirá os consumidores de procurar soluções de análise baseadas em IA que darão as respostas de forma imediata e por uma fração do custo. Dir-me-ão, não com a mesma qualidade. A resposta é dada pelo teste de turing.
No futuro próximo alguns escritórios podem beneficiar do aumento da eficiência e produtividade, mas em pouco tempo o mercado levará à repercussão desse benefício em favor dos clientes. A profissão, em particular nas tarefas em que a IA terá um papel primordial, irá “commoditizar-se”, tal significando que cada tarefa terá um custo tendencialmente fixo e significativamente mais baixo que o actual.
No presente já se começar a desenhar um verdadeiro AI gap, entre os profissionais e os escritórios que começarem a adotar estes sistemas e os que vão ficando fora desta revolução. Com uma vantagem óbvia partem os grandes escritórios que, com capacidade financeira e bases de dados de modelos próprios, conseguem realizar processos de treino de IA próprios com conteúdos qualificados. Esse gap irá partir a profissão em duas formas de estar e de fazer totalmente distintas. Não tenho grandes dúvidas sobre qual irá prevalecer. A advocacia do futuro terá o seu exercício mais romântico de toga em tribunal ou em representação de clientes em negociação transacional. Quanto ao demais estamos conversados.
(nota: a redação deste texto teve apoio e revisão de IA).
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