Internet é um serviço básico

A pandemia gerou novas exigências digitais e, por isso, acentuou as desigualdades sociais e territoriais no acesso à internet. A tarifa social é uma boa primeira solução, mas é preciso mais.

O surto de coronavírus atirou a economia mundial para uma profunda recessão e não são raras as previsões que apontam para quedas do PIB na ordem dos dois dígitos. Felizmente, nem tudo parou. Muitas empresas têm aguentado o choque, passando a quase totalidade das operações para o mundo virtual.

Aconteceu o mesmo na educação. As escolas tiveram de fechar, mas o ensino não parou por completo. Houve disrupção, claro. E muito sacrifício dos professores, pais e alunos. Mesmo assim, foi possível manter um certo nível de funcionamento, graças a várias ferramentas digitais, muitas delas “importadas” do mundo empresarial.

As redes de comunicação em Portugal, tanto móveis como fixas, absorveram bem a escalada no tráfego de dados provocada pelas nossas novas (reforçadas) vidas online. Mas há graves problemas de desigualdade no acesso à internet, tanto sociais como territoriais.

No plano social, não é incomum ouvirem-se histórias de famílias sem capacidade financeira para suportar as exigências digitais destes novos tempos. No plano do território, mais uma vez, o litoral saiu-se altamente beneficiado em relação ao interior.

Estes problemas já existiam antes da pandemia, mas ganharam uma nova dimensão com o confinamento. São, agora, impossíveis de ignorar. A nova geração arrisca perder biliões de euros em rendimentos futuros com os desequilíbrios e atrasos resultantes do impacto da pandemia no ensino.

Do lado das empresas, as que beneficiam de ligações à internet com maior qualidade estão em vantagem face às que se localizam em regiões menos conectadas. Concretamente em Portugal, é o acentuar do país a duas velocidades. Um Portugal moderno e ligado no litoral, mas velho, empobrecido e ultrapassado no interior.

Encontrar soluções é uma tarefa que se exige a todos os stakeholders: o Governo, as operadoras e a Anacom. Isso torna-se mais difícil quando todo o mercado está de costas voltadas, como provou o que aconteceu esta quarta-feira no Parlamento. Porém, importa reconhecer que as primeiras soluções já começaram a surgir. E algumas ganharam ritmo nas últimas semanas.

  • Sabe-se agora que o Governo está determinado a avançar com a criação da tarifa social de internet, com condições equivalentes às da tarifa social de eletricidade. A medida deverá permitir baixar os preços do acesso à internet a milhares de famílias portuguesas com baixos rendimentos, dependendo de como for regulamentada.
  • A Nos inovou ao apresentar a primeira operadora 100% virtual para quem só quer internet. Os preços ainda são elevados, mas reconhece-se o esforço da empresa em desagregar o fornecimento de internet de outros serviços menos relevantes, como o telefone fixo ou televisão por cabo com 300 canais. É uma pedrada no charco que deverá incentivar mais concorrência no mercado.
  • A Anacom foi uma das grandes promotoras da legislação que protegeu os consumidores mais vulneráveis durante a pandemia, da qual é exemplo a proibição do corte de serviço por falta de pagamento numa altura em que muitos portugueses estavam em regime de lay-off, ou a possibilidade de suspender e rescindir contratos sem penalização.
  • A Meo tenta introduzir no debate público a necessidade de o Estado financiar o desenvolvimento das redes de comunicação em zonas onde não seja viável para as operadoras investirem. É um ponto interessante que merece reflexão. Terão obrigação moral de cobrir todo o território? Talvez. Mas o certo é que não são legalmente obrigadas a investir em cobertura na totalidade (100%) do país (para isso, havia o serviço universal de telefone e outros).

Para já, a tarifa social de internet será a mais importante e com maior efeito imediato no rendimento das famílias com dificuldades financeiras. Mas o próximo passo terá de ser mais ambicioso, criando finalmente o serviço universal de internet, como aqui escrevi em abril, reforçando ainda o acesso público à internet com a devida segurança e qualidade.

Só assim podemos garantir um país verdadeiramente digital, de A até Z. Há muito que a internet é um serviço básico. Mais um direito dos cidadãos ao qual não podemos ficar indiferentes.

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