Ir a Cannes não é caro
Desejo que todos os jovens agarrem as oportunidades que existem e que tenham cabeça para saberem que é agora que devem investir tudo na sua carreira.
Lembro-me como se fosse hoje do dia em que passei a contrato de trabalho na primeira agência de publicidade onde trabalhei. Tinha 25 anos, faltavam poucos meses para casar e tinha mudado recentemente de um quarto arrendado para uma casa de porteira na periferia, que foi também o meu primeiro apartamento de casado.
Juntamente com o contrato, veio um aumento de 100€. Estávamos em 2012 e vivíamos o pico da crise e da respectiva austeridade. Para a minha geração, naquela época, o facto de ter emprego era já por si uma enorme vitória, ter um contrato era um luxo e ter um vencimento de 850€ euros líquidos era algo que não estava mesmo ao alcance de qualquer um.
Tinha entrado nessa agência para trabalhar redes sociais. Por sorte, alguém me falou que existia um prémio de jovens criativos chamado Cannes Young Lions Portugal. Participei com o meu amigo João Amaral, hoje um grande director de arte e há época já um promissor designer, juntos fizemos o trabalho que venceu a categoria de Ativação, sozinho consegui vencer a categoria de Relações Públicas e juntamente com a minha mulher conseguimos o segundo lugar em Marketing. Este desempenho valeu-nos a ida ao Cannes Lions.
Nunca me vou esquecer do dia em que eu e o João Amaral chegámos à estação de comboio de Cannes e batemos de frente com uma realidade que pelo menos eu não sonhava que tinha aquela dimensão. Eram milhares e milhares de publicitários, festas de agências e produtoras, praias todas ocupadas por patrocinadores, iates de todas as grandes empresas da área e conferências com as grandes estrelas do cinema, da política e obviamente também da comunicação. Já tinha ouvido falar muito do festival de publicidade de Cannes, mas nem de perto nem de longe pensava que poderia ser algo assim.
Se o bichinho da publicidade já cá estava, foi naquele início de verão de 2012 que percebi que era mesmo aquilo que gostava de fazer para o resto da vida. Ganhámos de tal forma o gosto à publicidade que umas semanas depois conseguimos a Prata dos Jovens Criativos do Clube de Criativos de Portugal, poucos meses depois fomos a primeira dupla portuguesa a conseguir ser shortlist em Buenos Aires no concurso de jovens do El Ojo de Iberoamerica (num trabalho feito à distância enquanto eu estava em lua-de-mel) e uns meses depois estávamos em Miami a ser a primeira dupla a representar Portugal na Maratona de Jovens Criativos do Festival Iberoamericano de la Publicidad.
Mas voltemos ao dia em que passei a ter um contrato de trabalho. A primeira coisa que fiz foi assinar três revistas: a Briefing, a Marketeer e a Meios & Publicidade. De seguida, corri para o computador para comprar alguns livros clássicos da área. Foram estes os meus luxos e talvez por isso, indo agora ao título do artigo, depois deste longo prólogo, é que vos digo que me faz tanta confusão ouvir jovens criativos dizerem que irem ao festival de Cannes é caro, que assistirem a conferências é caro ou que comprarem livros sobre publicidade não está ao seu alcance.
Um jovem criativo, minimamente poupado, deve gastar cerca de 2.500€ para ir ao festival de Cannes. Nestes cálculos incluo os 1.795€ da entrada no festival, uns 100€ em viagem low-cost ida e volta, uns 300€ para alojamento num apartamento a partilhar e o restante para alimentação. Os copos? Caso reserve a sua presença com antecedência nas melhores festas, normalmente são de borla.
Obviamente que não vivo num mundo à parte e que sei que não é barato para um jovem criativo gastar esta quantia. No entanto, neste caso, não ser barato não é o mesmo que ser caro. Caro é um jovem criativo passar férias em Bali, onde só a passagem de avião custa 1.000€, a estadia de 10 dias cerca do mesmo valor e a alimentação mais uns 500€, o que tudo somado daria para ir à vontade ao festival de Cannes. Obviamente que não é um num festival de publicidade que se irá “encontrar consigo próprio”, nem sacar umas mega-fotos para o instagram. Mas pronto, é preciso fazer escolhas.
Caro é ir a três ou quatro festivais de música no mesmo ano, fazer um “mochilão” pela América Latina, viajar a uma ou duas capitais europeias em escapadelas de fim-de-semana e ainda fazer umas férias na neve. Mas sabem o que é caro mesmo? Fazer um Erasmus de seis meses em Itália, Paris ou Amesterdão — isso sim, somadas as despesas todas, é verdadeiramente caro.
Tudo isto é mais caro que ir a Cannes, porque tudo isto somado não irá contribuir nem 10% para o futuro de um jovem publicitário em comparação com o que a ida ao festival de Cannes contribui.
Não pensem que isto é um discurso de velho do Restelo que acha que antigamente é que era bom. Nada disso. Não desejo a ninguém que comece a sua carreira profissional num país mergulhado em crise, desanimado e em que todos os dias jovens faziam as suas malas para irem tentar ter um futuro lá fora que aqui não conseguiam.
O que eu desejo, é que todos os jovens criativos de hoje estejam cientes da sorte que têm por viverem num país que está na moda, onde o desemprego está baixo e com marcas que voltam a investir na publicidade.
O que eu desejo mesmo, é que estes jovens agarrem as oportunidades que existem e que tenham cabeça para saberem que é agora que devem investir tudo na sua carreira. O que eu desejo, é que todos estes jovens sejam melhores e ainda mais focados que os criativos da minha geração – porque todos nós precisamos deles, para que a criatividade portuguesa volte a brilhar no mundo.
Jovem criativo, agora falo directamente para ti: talvez seja mesmo caro ir a Cannes. Mas acredita, irá sair-te ainda mais caro para a tua carreira não ires.
Nota: O autor escreve ao abrigo do antigo acordo ortográfico.
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