IVA na construção: desafios e perspetivas

  • Hugo Leonardo
  • 10:27

A premência do aumento da oferta de habitação, torna (ainda mais) urgente criar um regime claro, estável e capaz de aumentar a atratividade do setor para investidores e promotores.

Existindo hoje um consenso alargado quanto à necessidade de aumentar a oferta de imóveis residenciais em Portugal (promovendo a oferta privada e pública), é essencial garantir não só a existência de um regime fiscal que incentive o investimento e não penalize o consumidor final, mas também que seja estável e, por isso, previsível.

Neste âmbito, o IVA na construção destaca-se como uma questão crucial, pois, ao contrário de outros setores de atividade, na construção de imóveis para habitação este imposto não é dedutível (i.e. recuperável), configurando-se como um custo para o promotor que, naturalmente, é refletido no preço final do imóvel.

Sobre esta matéria, em 2009, foi introduzida a possibilidade de aplicação da taxa reduzida de IVA (6%) nas obras de reabilitação realizadas em imóveis situados em Áreas de Reabilitação Urbana (ARU), conforme prevê a verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA.

Apesar das vantagens deste benefício na revitalização dos centros urbanos, durante vários anos não existiu um entendimento fiscal constante e uniforme sobre os requisitos da sua aplicabilidade. Revisitando a jurisprudência e a doutrina da Autoridade Tributária (AT) sobre o tema, contabilizamos mais de uma dezena de variantes interpretativas (algumas, necessariamente, contraditórias entre si).

Vimos, por exemplo, a AT defender que a taxa reduzida não poderia ser aplicada nos casos em que estamos perante nova construção. Posição entretanto contrariada pelos Tribunais (veja-se, por exemplo, o Processo n.º 137/2022-T em que o Tribunal Arbitral admitiu a possibilidade de aplicação da taxa reduzida à nova construção, desde que o imóvel fosse localizado numa ARU).

Vários anos de intensa discussão judicial e doutrinária, permitiram, contudo, o desenvolvimento de uma base de entendimento em algumas destas matérias. Ficou consolidado no setor que a reabilitação ou construção de novos edifícios poderiam beneficiar da taxa reduzida, desde que: i) fossem empreitadas de reabilitação urbana; ii) o imóvel estivesse localizado em ARU; e iii) essa condição fosse atestada por certidão municipal (requisito extra-legal exigido pela AT que muitos promotores, e também os próprios municípios, procuraram acomodar, para evitar riscos de contencioso fiscal).

No passado dia 26 de março, o Supremo Tribunal Administrativo (STA) proferiu uma decisão (Processo n.º 012/24.9BALSB) que reacendeu a discussão e trouxe nova incerteza ao setor. De acordo com o STA, a aplicação da taxa reduzida de IVA apenas é possível quando o município tiver previamente aprovado uma ‘Operação de Reabilitação Urbana’ (ORU). Na ausência de uma ORU aprovada, os promotores deveriam ter aplicado a taxa normal.

Isto significa que os promotores que tenham aplicado a taxa reduzida às empreitadas de reabilitação urbana de imóveis localizados em ARU (i.e., sem ORU aprovada), vêem-se, agora, na circunstância de pagar a diferença de imposto suportado (6%) para a taxa normal (23%), penalizando um conjunto de operadores que não previa tal acréscimo de custo (+17%).

Assim, para os projetos imobiliários localizados em ARU, mas onde não foi aprovada uma ORU por parte do município, será necessário reavaliar o impacto do IVA no respetivo business case. Por outro lado, também deve ser ponderado se a aprovação de uma ORU pelos municípios após a referida decisão — algo que já se observa em alguns casos — é suficiente para garantir a aplicação da taxa reduzida.

Para além desta problemática, com as alterações promovidas à verba 2.23 no âmbito da aprovação do Programa “Mais Habitação”, vimos o legislador restringir, ainda mais, a aplicação da taxa reduzida de IVA. Deste modo, para projetos cujos pedidos de licenciamento foram submetidos após 7.10.2023, está expressamente excluído a construção nova ainda que o imóvel se localize em ARU (i.e., fica limitado à reabilitação de edifícios).

A premência do aumento da oferta de habitação, torna (ainda mais) urgente criar um regime claro, estável e capaz de aumentar a atratividade do setor para investidores e promotores.

Da nossa parte, identificamos algumas medidas relevantes que poderiam ser tomadas no curto prazo. Em primeiro lugar, e em face da recente jurisprudência, seria útil sistematizar a posição da AT através de uma Circular completa (à medida do que fez, por exemplo, para o Alojamento Local) estabilizando (por esta via, e não através de inúmeras informações vinculativas) quais os requisitos formais e materiais que devem ser cumpridos pelos promotores em cada caso concreto (e.g., nova construção, reabilitação de edifícios, pedidos de licenciamento aprovados antes/depois do “Mais Habitação”, etc.). Neste contexto a AT deve promover uma coordenação eficaz com os Municípios, para evitar os constrangimentos do “passado” – por exemplo, garantir que a AT não exige aos sujeitos passivos documentos que os Municípios se recusam a emitir.

Do lado do legislador, cabe também uma reflexão profunda, revisitando o sistema de incentivos fiscais em matéria de IVA, alinhando e integrando a fiscalidade com as políticas de habitação. Deste modo, parece-nos que, para além de ser benéfico que o regime se aplique também à nova construção, o perímetro de aplicação deve ser alargado por forma a abranger projetos que não se localizem em ARU, mas que promovam a regeneração e qualificação do espaço urbano.

  • Hugo Leonardo
  • Associado sénior da Vieira de Almeida

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