Joaquim Miranda Sarmento responde a João Leão: É “exaustivo nos adjetivos, mas pouco consistente nos argumentos técnicos”
Centeno e João Leão são muito exaustivos no uso de adjetivos, mas pouco consistentes em termos técnicos. Finanças controlaram despesa com cativações e a adiar pagamentos com fornecedores.
O Senhor Secretário de Estado do Orçamento, o Professor João Leão, escreveu hoje um artigo aqui no ECO sobre o programa económico do PSD. Saúdo que decidiu não seguir o critério do Ministro Mário Centeno, em que só candidatos a deputados podem debater os programas. Embora pareça que mesmo esse critério já caiu, dado que até ao momento em que escrevo, quarta-feira pelas 15h00, o Ministro Mário Centeno não tinha aceitado o debate com o Professor Álvaro Almeida, co-autor do programa económico do PSD e candidato a deputado pelo PSD no Porto.
O Professor João Leão começa por voltar àquilo que foi afirmado pelo Ministro Mário Centeno na conferência de imprensa de segunda-feira. Note-se que, quer a tal conferência de imprensa, quer o artigo do Professor João Leão, são exaustivos na utilização de adjetivos, mas pouco consistentes nos argumentos técnicos.
O artigo do Professor João Leão, que assina como Secretário de Estado do Orçamento, não é mais que repetir a conferência de imprensa de segunda, com alguns ataques pessoais à mistura. Mas não foi deselegante ao ponto do Ministro Centeno, que na semana passada, afirmou que “a direita quer vestir o fato do PS para parecerem homenzinhos”.
Mas registo que, uma vez que o Ministro Centeno não esclarece se está disponível para continuar a ser Ministro das Finanças na eventualidade do Partido Socialista formar governo, este avançar do Secretário de Estado do Orçamento mostra que o PS já tem Ministro das Finanças se vier a formar governo: é o Professor João Leão. Parabéns!
Comecemos pelo crescimento económico: no cenário do PSD o crescimento económico de 2020 e 2021 é igual ao do Programa de Estabilidade, sendo que (em função das políticas propostas pelo PSD, porque o Programa de Estabilidade é na prática um cenário de politicas invariantes, dada a ausência de medidas), em 2022 o crescimento previsto é superior em 0,2% e em 2023 é superior em 0,4%. Refira-se que o Ministro das Finanças, em entrevista ao jornal Público, em 6 de julho, disse que as previsões económicas do PSD eram “realistas”. Por outro lado, ainda há 2 semanas, o INE fez uma revisão do PIB de 2017 de 0,7%. Como é que revisões técnicas do PIB de 0,7% são consideradas normais, e uma diferença de duas décimas em previsões económicas podem ser consideradas tão graves? Por outro lado é de saudar que o governo agora confie tanto nas instituições internacionais e nacionais que passou 4 anos a criticar.
Depois, temos a questão da receita fiscal. Disse o Ministro na segunda-feira, e reafirma o Secretário do Estado hoje, que a receita do PSD está “empolada”. Que não é possível ter tanta receita fiscal nos próximos 4 anos. O argumento do governo é que entre 2016 e 2019 a economia cresceu, em termos acumulados, 17,2% e que isso permitiu uma receita de 13 mil milhões de euros. Perguntam então como pode o PSD ter para os próximos quatro anos (num cenário de manutenção da carga fiscal, ou seja, antes da redução de impostos) um aumento de receita em torno dos 15 mil milhões de euros? Julgávamos que esta notícia do jornal Público, de terça-feira, seria suficiente para explicar (ver aqui).
Mas vamos então voltar à explicação. O Ministro das Finanças e o Secretário de Estado do Orçamento comparam a receita de 2016-2019 (de 13 mil milhões de euros) com a receita prevista no cenário do PSD para 2020-2023 (de 15 mil milhões de euros). Ignora por completo que o PIB nominal de 2019 é de cerca de 210 mil milhões de euros, quando o PIB nominal de 2015 era de 180 mil milhões de euros (apesar de ter referido que a variável PIB nominal era a mais crítica num cenário orçamental, para logo a seguir ignorar isso). Ou seja, quanto maior é o PIB nominal, maior é o crescimento nominal (em euros), mesmo que as taxas de crescimento sejam ligeiramente inferiores às da legislatura anterior.
Basta ver que o PIB cresceu (em termos acumulados) 17,2% nesta legislatura e que no cenário do PSD crescerá 16,9% nos próximos 4 anos. Estamos a falar de uma diferença de crescimento acumulado de 0,3% em 4 anos, mas agora com uma base de partida de um PIB nominal que é 30 mil milhões acima do valor de 2015.
Curiosamente, nestes quatro anos o PIB cresceu acumulado 17,2% mas a receita cresceu 18,3%. Já no cenário do PSD o PIB cresce nos próximos quatro anos 16,9% mas a receita cresce menos que esse valor, cresce 16,6%.
Ou seja, em termos de receita fiscal, aquilo que o PSD fez em termos das suas projeções para o período 2020-2023 foi usar os pressupostos do Conselho de Finanças Públicas, considerando depois o efeito do crescimento económico, que é, fruto das medidas que propomos, ligeiramente superior ao do Programa de Estabilidade nos últimos 2 anos e em pequenas décimas.
Depois refere, pegando numa passagem de uma entrevista minha ao Expresso de há um ano, que eu disse que “Há pouca margem para baixar impostos porque temos uma dívida pública muito elevada.” É verdade, os “bons” anos Socialistas de 2005-2011 deixaram o país com uma dívida pública de 110%, que em 2015 (por via de reclassificações de perímetro – isto é, dívida que estava “escondida” – e os juros) passou para 130%. Por essa razão, uma dívida pública elevada, é que o programa do PSD propõe uma redução dos impostos moderada. E também por isso, e pela volatilidade da conjuntura internacional, que propomos fazê-lo de forma faseada. E também por isso é que já dissemos que se a conjuntura internacional se agravar e em 2022 ou 2023 o crescimento for bastante inferior às nossas previsões, que não será possível descer tanto os impostos como pretendemos, nem será possível aumentar tanto o investimento público como desejamos.
Em seguida, o Professor João Leão recupera o meu livro “Reforma das Finanças Públicas”, publicado no início deste ano, recordando que algumas das minhas propostas não foram acolhidas no programa do PSD. Agradeço penhoradamente a publicidade que o PS faz ao meu livro.
Ora, é sempre mais fácil criticar quem se expõe e publica o seu pensamento sobre os temas económicos, coisas que não me é possível fazer relativamente ao Professor João Leão, nem relativamente ao programa económico do PS, que continua a não ser público.
Mas o que eu defendo no livro é que Portugal tem de ter o seu foco na competitividade das empresas com contas públicas equilibradas. E esse é o aspeto estratégico e central do programa do PSD. Seria bizarro que um programa de um partido como o PSD (partido grande, com milhares de militantes e muitos economistas prestigiados) fosse exatamente igual ao livro que resume o pensamento de uma única pessoa.
Por outro lado, se o Professor João Leão tivesse lido o livro com atenção, teria percebido que o foco do livro é exclusivamente na componente da despesa e na necessidade de reformar o processo orçamental. As medidas que aponta são apenas pequenos ajustes em função de aspetos muito específicos. Não está, porque não era esse o objetivo do livro, qualquer alteração ao sistema fiscal.
Ao invés, muito do que escrevi nesse livro de reforma do processo orçamental (em termos de medidas) estão no programa do PSD. Medidas como a orçamentação por programas ou a revisão das competências dos ministros setoriais para terem mais autonomia, medidas que são um anátema para um Secretário de Estado do Orçamento que só se preocupa com as cativações.
Mas sobre a reforma do processo orçamental foi pena que o Secretário de Estado do Orçamento não tivesse aproveitado para explicar o enorme atraso nessa reforma durante estes 4 anos. A reforma iniciou-se em 2015, no final do governo anterior, com a aprovação da nova Lei de Enquadramento Orçamental. Mas já foi adiada para 2022, quando era previsto estar em funcionamento este ano. Poderia ter explicado o motivo que levou a que demorasse um ano e meio a criar a unidade que implementa essa reforma (a uniLEO, criada em abril-maio de 2017). E os motivos pelos quais, nestes 2 anos de existência dessa unidade, que é crítica para uma reforma que é ela também crítica, essa unidade já vai no terceiro diretor. Sendo que os dois anteriores saíram em desacordo com a estratégia de protelar e não avançar com as necessárias medidas para concretizar a reforma do processo orçamental.
Também podia ter aproveitado para explicar as razões pelas quais aceitou (junto com o Doutor Centeno) entrar num governo que deixou cair as as 4 grandes medidas que eram preconizadas no programa do PS (coordenado pelo Doutor Centeno e onde o Professor João Leão estava). Essas medidas, que eram na opinião do programa económico do PS de 2015 absolutamente vitais para a economia Portuguesa, não foram implementadas, tendo ficado na “gaveta” devido ao acordo da “geringonça”: redução da TSU para empresas; redução da TSU para trabalhadores; IRS negativo como compensação pelo não aumento do salário mínimo e o regime conciliatório – uma maior flexibilidade na contração e legislação laboral, permitindo acordos ao nível das empresas e não por setores.
Sobre o investimento público, em 2023 o PSD prevê 3,2% do PIB. O Programa de Estabilidade previa 2,6%, mas o PS já fez promessas que aumentam o investimento público para 3% do PIB. Será uma diferença de 0,2% assim tão relevante? Ou as promessas do PS não são para cumprir e o Secretário de Estado do Orçamento (e quiçá futuro Ministro das Finanças se o PS formar governo) está a assumir isso?
Diga-se que o aumento do investimento público no programa do PSD resulta muito da enorme deterioração das infraestruturas públicas destes últimos 4 anos. Será necessário investir um pouco mais do que seria normal, dado o brutal desinvestimento destes 4 anos. Quando não se faz investimento a tempo, paga-se mais caro lá à frente.
O Professor João Leão ignora que nas principais componentes da despesa no cenário do PSD seguem o cenário do CFP (Conselho de Finanças Públicas). A despesa com juros é a do CFP. A atualização salarial dos funcionários públicos à taxa de inflação está no cenário do CFP. E a atualização prevista para as prestações sociais está também no cenário do CFP. Recomendamos que veja a conferência de imprensa do PSD do dia 18 de julho e analise com cuidado os números do nosso programa. Gostaríamos muito de poder analisar os números do Partido Socialista, mas infelizmente não são públicos.
A proposta do PSD sobre a despesa corrente primária é muito simples. Em matéria de despesas com pessoal é ter aumentos à taxa de inflação e a regra de 1/1 de saídas. Em matéria de prestações sociais é de ter aumentos nos termos da Lei. Em matéria de consumos intermédios e outra despesa corrente, que esta cresça 2% por ano, acima da inflação prevista (1,5%).
É este controlo da despesa corrente primária, que tendo crescimentos nominais em torno de 4% por ano (2,5% reais e 1,5% de deflator), que permite criar uma “margem orçamental” para reduzir impostos.
É compreensível que quem passou 4 anos a controlar a despesa apenas com cativações e aumentos de dívidas a fornecedores, ignorando as medidas necessárias para a reforma das Finanças Públicas, duvide da capacidade de controlar a despesa a 2% por ano. Mas quanto a isso não posso fazer nada que não seja lamentar o atraso na reforma do processo orçamental.
O Professor João Leão acusa-me agora de que eu acho que a consolidação orçamental foi estrutural. Está equivocado. Como sempre referi, a consolidação orçamental dos últimos 4 anos foi de 3 pontos percentuais do PIB. Só que 2/3 foi redução dos juros, e dividendos e IRC do Banco de Portugal (fruto da política monetária do BCE). Esses 2 efeitos valem 2% PIB. Depois há mais 0,5% do PIB de aumento da carga fiscal e há menos 0,2% de investimento público.
Basta olhar para a evolução do saldo primário estrutural para perceber isso: em 2015 o superávite primário estrutural era de de 2,5% e prevê-se para 2019 um valor de 2,8% (fonte: AMECO). E a previsão da AMECO para 2020 é de um saldo primário estrutural de 2,5% (ou seja, igual ao de 2015).
Por último, falou de voltar aos cortes e à austeridade. Recordo-lhe que os cortes salariais na função pública são do Orçamento do Estado para 2011, do tempo do governo Sócrates. E que a austeridade resultou de um pedido de auxílio financeiro, pedido esse feito e negociado pelo governo Sócrates.
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