Like a Rolling Stone

  • Raquel Caniço
  • 13 Abril 2020

O Governo e o Parlamento invocaram razões humanitárias, para a concessão da liberdade a reclusos mediante determinados pressupostos, e por outro lado, excluiu os advogados de todas as medidas sociais.

Por estes dias vem-me à memória a letra da música de Bob Dylan – Like a Rolling Stone (1965).

De facto, o que é que um perdão de pena, um indulto, uma concessão de licença especial de saída de estabelecimento prisional e uma antecipação extraordinária de liberdade condicional têm em comum, neste estado de emergência, com a ausência de apoios remuneratórios sociais e quaisquer outros, aos advogados?

A resposta é: nada!

Vejamos: por um lado, o Governo e o Parlamento invocaram razões humanitárias, para a concessão da Liberdade a reclusos mediante determinados pressupostos, e por outro, excluiu os advogados de todas as medidas sociais atualmente vigentes.

Os advogados contribuem para a economia nacional no acesso constitucional ao direito, colaborando na administração da Justiça do Estado, pugnando por uma sociedade mais justa, equilibrada, pela proteção da dignidade das pessoas e, ainda assim, foi-lhes negada a assistência remuneratória, o apoio social à família, a moratória legal no crédito e no arrendamento, ao arrepio de toda a solidariedade social e económica que hoje todos reclamam.

Com efeito, foi aprovada pelo Parlamento a proposta de Lei do Governo, que no seu preâmbulo referia a necessidade de “…medidas excecionais de redução e de flexibilização da execução da pena de prisão e do seu indulto, (…) dever de ajuda e de solidariedade para com as pessoas condenadas, ínsito no princípio da socialidade ou da solidariedade…”

A Lei nº 9/2020, de 10 de abril, perdoa assim, penas cuja condenação não seja superior a dois anos, ou, penas superiores, se o tempo remanescente a cumprir seja igual ou inferior a dois anos. Excecionando-se crimes de natureza sexual e violenta, enquadrando-se contudo, burla, furto, falsificação, contrafação e passagem de moeda falsa, condução em estado de embriaguez, tráfico de menor gravidade, traficante-consumidor e muitos outros.

Cria ainda, o indulto, aos que estejam particularmente doentes, sendo que para isso, têm que ter 65 anos ou mais, pelo que, em abstrato, um recluso ainda que muito doente, mas com idade inferior, não beneficia desta medida de graça. Também aqui o princípio da solidariedade e as razões humanitárias deixam muito a desejar.

Há ainda a concessão de licença de saída, ainda que precária, por 45 dias, podendo ser renovável, subordinada à obrigação de permanência na habitação, desde que tenha beneficiado positivamente de uma anterior, não excecionando a natureza dos crimes.

Finalmente, o mesmo diploma legal prevê uma antecipação extraordinária de liberdade condicional aos reclusos, novamente, independentemente dos crimes que tenham cometido.

Ora, não existindo exceções para a concessão de algumas das medidas de flexibilização de execução de pena, choca a eventualidade de um agressor sexual ou de violência doméstica poder beneficiar de uma saída, por 45 dias, ou um homicida ou traficante, beneficiar de uma liberdade condicional extraordinária e, ironicamente, o mesmo Estado social e humanitário não reconhecer mérito ou crédito, negando quaisquer apoios, àqueles que muitas vezes alimentam o sistema judiciário economicamente falido, – os advogados.

Por isso, vou trauteando how does it feel ? To be on your own, like a rolling stone… e consciencializo a ausência da mais elementar justiça económica e social, a profunda discriminação negativa, sem qualquer fundamento, sobre os advogados excluídos de todas as medidas de apoio, neste estado de emergência… like a complete unknown

  • Raquel Caniço
  • Advogada da Caniço Advogados

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