Metáfora do Pico

Subir ao Pico durante a madrugada é uma experiência de resiliência, fé e, confesso, de alguma loucura. Empreendedora, portanto.

O encontro estava marcado para as 1h30 — sim, leu bem, uma e meia da manhã — na casa da montanha. A estrada, sem iluminação artificial, só se deixava ver pela luz das estrelas e da lua, quarto crescente avançado, e, claro, pelos faróis do carro, o único na estrada àquela hora.

Na mochila, como recomendado, litro e meio de água e snacks para ir comendo no caminho: duas bananas, duas barritas energéticas e um chocolate negro, para pausas mais curtas. Chegada ao parque de estacionamento, encontrei o guia entre as portas traseiras da carrinha branca, talvez uma entre cinco ou seis carros estacionados no meio de uma escuridão quase total. Luvas? Check. Gorro? Check. Bastão? Só um para quem não está habituado a usar… Check.

Não minto quando digo que, antes de subir o Pico, pensei na subida como exercício para este texto. A forma como, de cada vez que um empreendedor me explica o que é isto de empreender, pode encontrar um enorme paralelo com aquilo que se sente quando se sobe a uma montanha, sem ter uma visão panorâmica do caminho a não ser quando se chega lá cima.

A subida às escuras. A jornada da ideia ao negócio, e do negócio à escala, é uma subida às escuras, sobretudo quando se trata de empreendedores de primeira viagem. A forma como estes fazedores se movimentam no ecossistema, de forma despretensiosa e misturando paixão com foco — e um pouco de loucura — traduz tudo aquilo que o empreendedorismo, e uma subida ao Pico, são: um salto de fé de quem espera sobreviver ao caminho e, a certa altura, desfrutar da vista.

Os obstáculos. Não estou só a falar do “trilho” que se torna quase impossível de identificar e seguir sem guia, ou do terreno instável inerente a um piso formado via erupção vulcânica. Subir à montanha do Pico é um exercício de equilíbrio pelo caminho sinuoso, duração e pela resistência física a que tudo isto obriga. Pode equiparar-se, em sentido figurado, ao ceticismo face a uma ideia de negócio, aos muitos nãos e portas fechadas com que os empreendedores se deparam no caminho e, claro, aos inúmeros falhanços, recuos e recomeços a que um percurso empreendedor de qualquer género obriga.

A mentoria. Não vale a pena mentir: o caminho não é fácil mas, faz-se a caminhar. O guia funciona como um manual de boas práticas — pé ante pé, convém seguir-lhe as passadas — mas a verdade é que as pedras que pisamos somos nós que as escolhemos e, em última análise, teremos de ser nós a responsabilizar-nos por pés torcidos, quedas e outras mazelas que possam resultar da subida.

O percurso de subida — e descida — do Pico tem apenas oito quilómetros o que, só por si, não é preocupante. Pensarão: já fiz caminhos mais longos. Sim. O “trilho” começa a cerca de 1200 metros de altitude. A subida dura até aos 2351 metros e o caminho prolonga-se aproximadamente entre oito a 12 horas, dependendo do ritmo a que os grupos avançam — e claro, o tempo durante o qual queremos apreciar o nascer do sol.

Porém, a passagem pelos 47 marcos do caminho, onde estão pintadas uma risca vermelha e outra amarela, são etapas que, a certa altura, queremos saltar. Só que, como bem saberão os empreendedores, etapas saltadas são desperdício de aprendizagem. Cada marco no caminho tem um propósito, já se sabe. Nem que seja uma contagem decrescente até ao próximo. É que se é o cume que nos move, na verdade é a subida que importa: é o que nos faz lá chegar (e confiar que as pernas aguentarão a descida).

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