Na banca, o Pai Natal chegou no Halloween
Os CEO admitem que o trenó dos lucros está a travar com as descidas dos juros, tal como no resto do mundo, mas por enquanto ainda é hora de distribuir doces na forma de dividendos.
Lucros momentâneos, não excessivos. Foi assim que o CEO de um dos principais bancos em Portugal classificou há algumas semanas o atual ciclo de alta rentabilidade no setor financeiro. Nos três dias até à quinta-feira de Halloween, na semana passada, o conjunto dos quatro maiores bancos privados anunciou um impressionante salto de 11% para 2,5 mil milhões de euros nos lucros dos primeiros nove meses do ano.
O Santander Totta deu o tiro de partida com um aumento dos retornos para 778 milhões entre janeiro e setembro, mais um quarto que no período homólogo. Seguiu-se o Millennium BCP, com uma subida de 10% para 714,1 milhões de euros, o BPI com um disparo de 14% para 444 milhões, com o Novobanco a fechar as contas com um recuo de 4,4%, provocado por provisões, mas ainda assim a apresentar um proveito de 610,4 milhões.
Se estes retornos são excessivos, ou não, é um assunto de moralidade económica que compete a cada um avaliar. Se uma série de trimestres de lucros fartos pode ser considerada momentânea, ou não, também é uma questão subjetiva e dependente de como vemos os ciclos e o que vem a seguir. Essa próxima fase é relativamente simples de prever. A ‘normalização’ da política monetária, ou seja, a descida já em curso das taxas de juro pelo Banco Central Europeu após o período em que teve de elevá-las para combater a inflação, está (e vai continuar) a travar a margem financeira dos bancos.
Os próprios CEO dos bancos reconhecem que esse trenó principal do aumento dos lucros já está a parar. Defendem que subidas nos volumes, melhorias nos serviços e o conforto de já terem feito as ‘limpezas’ dos problemas do passado vão atenuar a travagem dos retornos.
Veremos se será mesmo assim, mas por enquanto temos lucros a serem gerados e distribuídos, um autêntico Natal antecipado. A Caixa Geral de Depósitos ainda nem apresentou resultados mas como já é sabido, através da proposta de Orçamento do Estado para 2025, vai pagar 671,5 milhões ao Estado em dividendos relativos ao exercício deste ano. O ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, vai receber esse “presente” no sapatinho, mas não será o único.
No BCP, os acionistas vão receber pelo menos metade dos resultados, segundo o novo plano estratégico 2025-2028, mas a distribuição pode mesmo subir para os 75% dos lucros através de um programa de recompra de ações. A lógica do banco, segundo explicou o CEO Miguel Maya, é que depois de mais de uma década em que os acionistas, que incluem a chinesa Fosun e a angolana Sonangol, suportaram o banco, chegou a altura de retribuir a transformação do banco. A ideia subjacente é de manter fiéis esses acionistas-chave e de afugentar eventuais investidas de rivais, que neste momento parecem um pouco fantasmas de Halloween pois não se consegue bem ver quem são.
Essa tradição pagã americana importada para a Europa conduz-nos de forma conveniente para o fundo Lone Star, detentor de 75% do Novobanco, e cujo presente poderá até chegar depois do Natal, mas parece estar encomendado. O comportamento do banco ‘bom’ que nasceu do banco ‘mau’ BES, uma limpeza que teve contudo custos alargados, aproxima-o do fim do acordo de capital contingente (CCA, na sigla em inglês). É um mecanismo complexo e que não vale a pena explicar aqui em detalhe, mas o que importa saber é que o cessar antecipado desse acordo entre o Fundo de Resolução e o Novobanco, quando for aprovado pelo ministro das Finanças, irá libertar as amarras dos dividendos. O Estado poderá receber cerca de 250 milhões e o Lone Star 750 milhões de euros.
Mais importante, o fim desse agreement vai permitir aos americanos do Lone Star avançarem com o processo de venda do Novobanco, seja por entrada em bolsa ou por outra forma mais direta. Até ao momento, nenhum dos players nacionais admite querer esse elegante presente mas, numa altura de readaptação de níveis de juros e lucros, essas posições vão ficar mais claras. O crescimento por compra poderá ser a solução e daqui a um ano um deles poderá estar a cantar “all I want for Christmas is...”
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