Não, senhor Professor Vital Moreira, os advogados não são taxistas

  • Telmo Guerreiro Semião
  • 12 Setembro 2023

Não há memória de um ataque tão feroz à liberdade e à independência da advocacia e da Ordem dos Advogados como este. Os advogados não se calarão perante tamanho ataque.

A propósito da alteração da lei das associações públicas profissionais (LAPP) e da consequente necessidade de alteração do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA), escreveu o Senhor Professor Vital Moreira um texto, com o título o “Grémio dos Advogados”, onde referiu que “esta rebelião corporativa dos advogados faz lembrar a revolta há poucos anos dos taxistas contra a admissão da Uber pelo Governo, pondo em causa o monopólio económico daqueles”.

Salvo o devido respeito pela digna profissão de taxista, há que responder ao Senhor Professor Vital Moreira (VM), dizendo-lhe que os advogados não são taxistas.

O conceituado constitucionalista ignora totalmente o facto de que os advogados exercem uma função essencial ao funcionamento da justiça, que merece consagração constitucional, para além do papel ativo que lhes incumbe na defesa dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.

O Professor VM parece considerar que apenas o mandato forense deverá constituir um ato próprio de advogado, podendo os demais atos, nomeadamente, a consulta jurídica, a elaboração de contratos, a prática dos atos preparatórios tendentes à constituição, alteração ou extinção de negócios jurídicos e a negociação tendente à cobrança de créditos, ser realizada por outros juristas ou, até, nalguns casos, por não juristas.

Ora partindo desta convicção doutrinária, o Professor VM conclui que a “agremiação dos advogados” – a mesma que lhe atribuiu a medalha de ouro da Ordem dos Advogados que o Professor pomposamente exibiu em 2013 – pretende apenas defender o monopólio dos advogados, que apelida de a sua “coutada de negócio”.

É gritante o desrespeito dirigido aos advogados e à importante função de regulação da profissão desempenhada pela Ordem dos Advogados, instituição quase centenária, que sempre lutou contra as violações dos direitos, liberdades e garantias e que, talvez por isso, seja um alvo a abater pelo atual Governo.

Não há memória de um ataque tão feroz à liberdade e à independência da advocacia e da Ordem dos Advogados como este. Os advogados não se calarão perante tamanho ataque. Estamos num momento em que se exige a união de esforços, independentemente das várias linhas de opinião que existem na profissão.

Após a entrada em vigor da alteração à LAPP, aprovada pela Lei n.º 12/2023, o Governo apressou-se em apresentar uma proposta de alteração do Estatuto da Ordem dos Advogados e da Lei dos Atos Próprios de Advogados e Solicitadores. Mas fê-lo praticamente nas costas dos advogados, tendo-se limitado a cumprir com a formalidade de auscultar a Ordem dos Advogados com 48 horas de antecedência, o qual terminou no dia de Santo António, feriado em Lisboa. O que, por si só, já é revelador da falta de transparência do processo legislativo.

Resta-nos apelar aos senhores deputados que, no momento da aprovação da alteração ao EOA, tenham presente o interesse público no exercício da advocacia e a importante função reguladora desempenhada pela Ordem dos Advogados. O que não se compadece com o alargamento da consulta jurídica, da elaboração de contratos e da cobrança de créditos a não advogados, nem à criação de um órgão de supervisão independente composto maioritariamente por não advogados.

Termino, citando as lúcidas palavras do Juiz Manuel Soares, Presidente da Direção da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, dizendo que “os advogados merecem mais respeito”: “médicos, engenheiros e contabilistas prestam serviços muito importantes, mas não são coadjuvantes das funções de soberania, como os dos advogados”. A lucidez que falta a outros. E não precisou de receber uma medalha de ouro da Ordem dos Advogados…

  • Telmo Guerreiro Semião
  • Sócio da CRS Advogados

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