Buscas a escritórios de advogados versus buscas a partidos políticos: o que teria de mudar?
O primeiro-ministro António Costa admitiu no último Conselho de Estado a intenção de alterar a lei para equiparar as regras aplicadas às buscas judiciais dos partidos às dos escritórios de advogados.
O primeiro-ministro António Costa admitiu no último Conselho de Estado a intenção de alterar a lei de forma a equiparar as regras aplicadas às buscas judiciais dos partidos políticos às dos escritórios de advogados, segundo avançou o Observador.
Esta tomada de posição surge após as buscas levadas a cabo ao PSD.
Em Julho, a Polícia Judiciária (PJ) confirmou a realização de “buscas e apreensões por crimes de peculato e abuso de poderes”, no âmbito de um inquérito dirigido pelo DIAP Regional de Lisboa. Foram cerca de 20 buscas, 14 delas domiciliárias, cinco a instalações de partido político e uma em instalações de Revisor Oficial de Contas. Rui Rio é principal visado na investigação por alegados crimes na anterior gestão do PSD, referentes a financiamento ilícito. Essas buscas também decorreram na sede nacional do partido, na rua de São Caetano à Lapa, em Lisboa e nas sedes distritais do PSD em Lisboa e Porto.
Mas quais são as regras que se aplicam às firmas de advogados?
O regime legal das buscas neste setor, como meio de obtenção de prova, é mais exigente. Tendo como principal objetivo acautelar o respeito pelo segredo profissional.
“Para serem realizadas para além de ser da competência exclusiva do juiz a sua autorização, este magistrado tem de presidir e acompanhar a diligência, bem como também deverá estar presente um representante da Ordem dos Advogados(OA) e, normalmente, também está presente um procurador da República”, explicou a of counsel da Antas da Cunha Ecija Ana Raquel Conceição.
Ou seja, no regime dos advogados é necessário que as buscas sejam autorizadas e presididas por um juiz de instrução criminal e por um representante da OA, que assegura a proteção do segredo profissional.
Caso estas exigências não sejam cumpridas, terá lugar a proibição de prova, que impõem-se por força do segredo profissional que o advogado é obrigado a cumprir. “Assim, e uma vez que a busca permitirá o acesso a documentos ou outros elementos sujeitos a segredo, a presença do Juiz servirá para garantir o cumprimento desse mesmo segredo e selecionar o que pode ou não ser apreendido, atendendo ao objeto da investigação”, acrescentou a advogada.
Caso a intenção de António Costa seja colocada em prática, passa a ser apenas o juiz a autorizar as buscas, devendo estar presente na diligência e, eventualmente, também deverá acompanhar a diligência um representante do referido partido político, por comparação ao regime legal das buscas a escritórios de advogados.
“As buscas às sedes dos partidos políticos, por não serem consideradas domicilio, escritório de advogado, consultório médico ou estabelecimento oficial de saúde, estarão ao abrigo do regime geral das buscas e, consequentemente, o seu regime legal é diferente”.
João Massano, líder do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados, defende que “o sigilo dos Partidos Políticos e o segredo profissional dos advogados, apesar de serem conceitos que tratam da proteção da informação, possuem fundamentações e razões substancialmente diferentes”.
“Como será possível equiparar o sigilo dos partidos políticos ao segredo profissional a que nós Advogados estamos adstritos quando o fundamento ético-jurídico deste radica no princípio da confiança e na natureza social da função forense? Não há comparação possível!”, sublinha o advogado. “Contudo, não podemos correr o risco de as buscas judiciais poderem vir a ser utilizadas para condicionar Partidos Políticos, quaisquer que eles sejam, sob pena de se condicionar o funcionamento da própria democracia por funcionarem como instrumentos políticos”, acrescenta.
“Sinceramente, não vejo riscos, antes me parece uma boa medida, para evitar abusos de interferência da magistratura nos partidos políticos. Os partidos políticos são essenciais à Democracia, permitindo a participação dos cidadãos na política e nos órgãos do poder político. Devem ser protegidos de interferências abusivas de outros poderes do Estado, de forma a manter a liberdade. Os segredos dos partidos também devem ser salvaguardados, sendo já protegidos os segredos comerciais ou industriais, também devem ser os necessários ao exercício da Democracia, através de todos os documentos internos dos partidos. É uma matéria sensível e devia ser rodeada de especiais cautelas. Não deve haver proteção desproporcional, como não há em outros setores, mas deve ser alvo de proteção suficiente e necessária para o livre exercício das funções políticas dos partidos”, acrescenta José Luís Moreira da Silva.
Que alterações seriam necessárias?
Teriam de ser alterados alguns artigos do Código de Processo Penal (arts. 177.º e 180.º), mas José Luís Moreira da Silva, advogado, entende “que seria melhor alterar a Lei dos Partidos Políticos (Lei Orgânica n.º 2/2003, de 22 de agosto), incluindo-se nela as regras sobre buscas nas sedes e representações dos partidos, de forma a terem de ser presididos por Juízes”.
João Massano, da OA, elenca as mudanças necessárias:
- Definição de Limites: As buscas em escritórios de advogados têm limites rigorosos para proteger o segredo profissional. Ao aplicar um regime semelhante aos partidos políticos, seria necessário definir o tipo de informação que estaria protegido durante a busca.
- Critérios de Autorização: O procedimento e os critérios para autorizar buscas em escritórios de advogados são rigorosos, tendo em vista a sensibilidade das informações. A equiparação requereria um reexame dos critérios para autorizar buscas em sedes partidárias.
- Proteção de Terceiros: Em escritórios advogados, as informações de clientes sem ligação à investigação em questão são protegidas. Se a mesma lógica fosse aplicada aos Partidos, informações sobre membros ou filiados não abrangidos pela investigação deveriam ser igualmente protegidas.
- Definição de Procedimentos: Os procedimentos específicos para buscas em escritórios de advogados são detalhados, incluindo, por exemplo, a presença de um representante da Ordem dos Advogados e de um magistrado. Mudanças seriam necessárias para estabelecer quem deveria estar presente durante buscas em sedes de partidos.
- Nulidades processuais: Qualquer violação dos procedimentos ou limites das buscas em escritórios de advogados pode resultar em nulidades processuais. Da mesma forma, nulidades processuais teriam que ser definidas para violações similares durante buscas em sedes de partidos.
- Adaptação das normas: A legislação que rege os partidos políticos teria que ser adaptada para incorporar essas novas regras, situação que pode envolver processos legislativos complexos.
Segundo Ana Raquel Conceição, uma das consequências imediatas dessa alteração é limitar a realização das buscas por carecer de prévia autorização judicial.
“A necessidade do crivo judicial na recolha de prova que contende com direitos fundamentais, é uma garantia constitucional na legitimidade da sua realização. Logo, o juiz atendendo à sua função e atribuição no processo penal, muito especialmente o juiz de instrução criminal, deve ponderar a necessidade, proporcionalidade e adequação da medida, por isso se apelida como o Juiz das Liberdades, por ser aquele quem determina se os direitos fundamentais podem e em que medida ser restringidos”, explicou a advogada.
Segredo profissional dos advogados vs sigilo dos partidos
Será o segredo profissional dos advogados comparável com o sigilo dos partidos políticos para que seja possível essa equiparação?
“Não tem a mesma natureza. Os advogados têm direito ao segredo profissional para defesa do direito à Justiça, sem o qual os cidadãos não teriam acesso à Justiça, pois tudo o que dissessem junto do seu advogado ficaria disponível para servir de incriminação, caso em que não haveria direito de defesa e a Justiça ficaria gravemente afetada no seu núcleo essencial. Já os partidos políticos são essenciais à Democracia, sem eles não se exerce a representação política dos cidadãos nos órgãos do poder políticos do Estado, das Regiões e das Autarquias Locais. É igualmente um direito fundamental essencial, mas de natureza diversa. Pela igualdade de defesa de direitos fundamentais essenciais justificam soluções semelhantes, mesmo se têm natureza diversa”, acrescenta Moreira da Silva.
“Há várias formas de sigilo e o segredo profissional é uma delas, assim por uma questão meramente hermenêutica a comparação é possível mas não a sua equiparação”, defende Ana Raquel Conceição.
“O sigilo dos Partidos Políticos e o segredo profissional dos advogados, apesar de serem conceitos que tratam da proteção da informação, possuem fundamentações e razões substancialmente diferentes. O segredo profissional a que os Advogados estão adstritos tem como primordial função garantir que qualquer pessoa, independentemente da natureza ou gravidade da sua situação, possa confiar plenamente no seu Advogado para representar seus interesses. A confidencialidade garante que as informações entregues pelo cliente ao advogado não serão indevidamente divulgadas ou utilizadas contra o cliente. Esse é um pilar fundamental do Estado de Direito, assegurando que todos têm direito a uma defesa justa”, explica João Massano.
Já o sigilo associado aos Partidos Políticos “não tem como fundamento a proteção dos direitos individuais de um Cidadão perante a Justiça, mas sim a proteção das estratégias, decisões internas e outros dados que possam, se divulgados, prejudicar a atuação política do partido ou dos seus membros. Esse sigilo, muitas vezes, visa garantir a integridade das decisões internas e a coesão do partido”.
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