Nelson Mandela, símbolo universal do advogado do bem comum
Até ser preso, primeiro em 1956 e depois em 1960, Nelson Mandela foi o símbolo do advogado empenhado diariamente na defesa da igualdade, da dignidade e da justiça para todos.
Justin Hansford foi durante anos um anónimo professor de direito na reputada Saint Louis University, no estado norte-americano do Missouri. Mas o seu anonimato acabou na data em que morreu Nelson Mandela. Num artigo publicado a 5 de dezembro de 2013 no conhecido blogue CLS (designação abreviada de Critical Legal Studies) o Professor Hansford teve a ousadia de sugerir que a imagem icónica da Justiça – a da deusa vendada empunhando a balança e a espada – fosse substituída pela de Nelson Mandela. O que se seguiu foi uma acesa e muito politizada discussão nos meios académicos da especialidade, que chegou mesmo a generalizar-se às ordens de advogados de um ou outro Estado norte-americano.
Mas poucos meses depois já havia um razoável consenso: Nelson Mandela tinha sido advogado apenas durante pouco mais de uma década e, na verdade, a sua experiência não fora sequer tão extensa e multifacetada quanto a de outros advogados que lutaram contra o sistema de apartheid, incluindo o seu próprio advogado, o imigrante grego George Bizos.
Sempre me pareceu uma argumentação falaciosa, esta que, não obstante, acabou por prevalecer. Afinal, nos 38 anos decorridos entre 1952, quando fez o exame de acesso à profissão, e 1990, ano em que foi libertado, Mandela esteve preso durante 27 anos. Nos remanescentes 11 anos, ele foi um heróico defensor judicial dos direitos da maioria negra sul-africana, em luta pela igualdade, a liberdade e a democracia.
Nelson Mandela não nasceu Nelson Mandela. O seu nome de nascimento (1918) era Rolihlahla Dalhibhunga Mandela. Descendente da nobreza tribal da etnia Xhosa, Madiba (alcunha que adotou por ser a designação tradicional do seu clã) teve fácil acesso à escola primária. Foi aí que a professora, seguindo o costume do regime de minoria branca, lhe atribuiu o nome Nelson, em homenagem ao almirante britânico que venceu a esquadra de Napoleão. Mandela frequentou um colégio secundário exclusivo para negros e, em 1943, foi o primeiro aluno não branco a inscrever-se no curso de direito da University of Witwatersrand (‘Wits’), uma das duas open universities, isto é, universidades que começavam a aceitar também estudantes da maioria africana. Estes, porém, não podiam participar em provas desportivas ou em iniciativas festivas, como bailes e outras, que estavam reservadas aos alunos brancos.
Já envolvido na militância política, Nelson Mandela viria a chumbar mais do que uma vez, até que, em 1949, trocou a Wits pela University of South Africa (‘Unisa’), em Joanesburgo, onde acabaria por se licenciar.
Madiba começou a trabalhar em escritórios de advogados em 1941, ainda antes de entrar na universidade. Não espanta, pois, que tão cedo obteve autorização para exercer a advocacia, tenha aberto o seu próprio escritório, num modesto edifício situado junto ao tribunal, em Joanesburgo. Meses depois, em agosto de 1952, chamaria para junto de si o amigo e antigo companheiro de escola Oliver Tambo. E assim nascia a Mandela & Tambo, então a única firma de advogados negros no país.
O êxito do novo escritório de advogados foi imediato. No regime sul-africano de segregação racial formalizado em 1948, era crime uma pessoa de cor franquear uma porta com os dizeres Whites Only (Apenas Brancos); ou beber numa fonte reservada a brancos. Era também crime um não branco ser encontrado na rua a partir das 9 da noite; ou residir em certos bairros; ou, simplesmente, não ter residência. Os ativistas Tambo e Mandela pensavam que sabiam o que era a injustiça social. Mas a experiência da miséria humana que cada dia testemunhavam no seu acanhado escritório despertou-os para o real sofrimento das pessoas comuns. Na sua autobiografia Um Longo Caminho para a Liberdade, Mandela descreve como ele e Oliver Tambo quiseram desde o início que o seu escritório fosse um abrigo para os injustiçados e os humilhados. E estes eram muitos. “Todas as manhãs, para chegarmos aos nossos gabinetes tínhamos de furar por entre uma enchente de pessoas que aguardava, no hall de entrada, nas escadas e na pequena sala de espera”.
Até ser preso, primeiro em 1956 e depois em 1960, Nelson Mandela foi o símbolo do advogado empenhado diariamente na defesa da igualdade, da dignidade e da justiça para todos. Divulgar e honrar esse legado histórico é um dever de todos os juristas e ativistas sociais dedicados ao direito do interesse público.
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