O biometano, um gás renovável, por vezes esquecido

O biometano é um gás renovável que vai ter impacto antes do hidrogénio verde, utiliza uma tecnologia acessível, que é possível desenvolver em Portugal, e permitirá criar empregos.

O gás natural tornou-se, no último ano, um tema de primeira página. Fomos surpreendidos pela elevada dependência que a Europa tinha do gás Russo, de onde importava 155 bcm (billion cubic meters) dos 412 bcm que consumia, o que representava 45% do total das importações de gás.

Tornou-se claro que o gás natural é fundamental para a nossa sociedade, para aquecimento e utilização doméstica, produção de eletricidade, para produção de calor e como matéria prima para a indústria. É também essencial à transição energética, ao permitir produzir eletricidade despachável para compensar a volatilidade das energias renováveis.

Para compensar a falta do gás da Rússia e assegurar a sua independência energética a União Europeia, elegeu como solução, o hidrogénio verde. É uma solução excelente, mas que levará tempo a materializar-se.

Não seria possível e melhor apostar também, no curto prazo, no fabrico na Europa de gás natural?

O gás natural é um combustível fóssil, que tem como principal componente o metano (CH4) cuja molécula é composta por 1 átomo de carbono e 4 de hidrogénio.

O candidato mais óbvio para substituir o gás natural é o biometano, que é relativamente simples de produzir, a partir do biogás. Tem uma composição química idêntica ao gás natural, o que permite que seja injetado na rede de gás sem qualquer problema; ou ser utilizado em transportes, quer comprimido, quer na forma líquida.

Foi o que já fez a Dourogás, em julho de 2022, quando pela primeira fez em Portugal, injetou na rede de gás natural, biometano produzido no aterro sanitário de Urjais, em Mirandela.

Embora o biometano não tenha tido o prestígio do hidrogénio verde, é ele que irá, no curto prazo, dar um maior contributo para a independência energética da Europa. Porque permite utilizar, sem qualquer alteração, toda a valiosa infraestrutura existente na fileira do gás natural, desde o transporte, ao armazenamento, à distribuição, à utilização final.


A maior parte do biometano será produzida em digestores anaeróbicos (DA). É uma tecnologia acessível, possível de desenvolver em Portugal. Utiliza recipientes estanques ao ar que processam, a 38 graus Celsius, matéria orgânica com múltiplas origens (por exemplo estrume e resíduos municipais) diluída em água. Nos DA, a matéria orgânica é separada nos seus componentes por microrganismos (bactérias).

Como resultado produz-se biogás, que tipicamente é constituído por 60% de metano (CH4) e por 40% de dióxido de carbono (CO2) e também por contaminantes e humidade. O biogás pode ser diretamente utilizado como combustível num conjunto de aplicações.

Hoje em dia são produzidos na Europa cerca de 14,5 bcm de biogás e 3,5 bcm de biometano. Mas a estratégia é produzir menos biogás e mais biometano, porque isso aumentará a resiliência do sistema energético europeu.

Para o conseguir, faz-se o “upgrading” do biogás removendo o dióxido de carbono e impurezas como o sulfureto de hidrogénio. Obtém-se assim biometano que contém 85 a 95% de metano e que é compatível com o gás natural.

Na Europa são apenas produzidos 3,5 bcm de biometano, mas o REPowerEU pretende fazer subir este valor para 35 bcm até 2030. Uma aposta enorme, que representa 20% do gás que a Europa importava da Rússia. E até 2050 a perspetiva é que a União Europeia produza 100 a 150 bcm de biometano o que representará 26% do seu consumo total de gás natural. Para comparação, a Argélia, que é o maior fornecedor de gás natural da Europa produziu 102 bcm em 2022.

De acordo com a European Biogas Association (EBA), para se conseguir produzir, por ano, 35 bcm de biometano em 2030, será necessário construir 5000 digestores anaeróbicos (DA), o que representa um investimento de 83 mil milhões de Euros. 4000 DA serão de tamanho médio (4 milhões de m3/ano) e terão um custo unitário de 12 milhões de Euros. 1000 DA serão de grandes dimensões (16 milhões de m3/ano) e terão um custo unitário de 35 milhões de Euros.

Segundo a EBA Portugal tem um potencial de cerca de 0,6 bcm/ano (6 TWh/ano) de biometano e em números redondos para os produzir seria necessário um investimento de 1,4 milhares de milhões de Euros, e seria necessário construir 70 DA de tamanho médio e 17 DA de grandes dimensões.

Segundo a EBA, o custo do biometano produzido variará entre os 55 e os 100 Euros/MWh, o que compara com o preço do gás natural que está neste momento a 50 €/MWh, mas que é volátil e pode subir com o aumento da atividade industrial da China e em anos de invernos rigorosos.

Um tema a seguir de perto. É uma grande aposta da União Europeia e o biometano é um gás renovável que vai ter impacto antes do hidrogénio verde. Utiliza uma tecnologia acessível, que é possível desenvolver em Portugal, permitirá criar empregos.

Ajudará a resolver o problema dos resíduos e pode dar um grande contributo à transição energética disponibilizando uma energia renovável armazenável e passível de ser despachada. Exige um investimento muito elevado e colocará problemas de acesso à rede de gás que será preciso coordenar. Mas é um esforço que se justifica.

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