O erro de análise nas presidenciais

Se nada de estrutural mudar, o almirante Gouveia e Melo, o frontrunner destes meses, pode mesmo ser apenas isso — um favorito até ver.

A semana fica indelevelmente marcada pela apresentação da candidatura presidencial de Ventura. As razões por que Ventura sabe que não devia ser candidato já foram devidamente escrutinadas: não passar à segunda volta é mais custoso do que a vantagem que pode tirar de o fazer. Contudo, até acho que uma possível vitória do líder do Chega nas presidenciais teria um maior impacto no regime do que o que tem sido genericamente referido. Bem, se este seria um tema bastante interessante, uma vitória não passa de uma miragem, já que numa segunda volta vence o menos rejeitado. A ideia deste texto é refletir sobre os impactos imediatos desta candidatura na projeção das eleições e, aqui, acredito ter uma visão contracorrente.

Com efeito, andei a olhar para as sondagens presidenciais com mais cuidado. Aqui, tentei compilar as sondagens que encontrei desde julho, fazendo uma média simples dos seus indicadores, sem distribuição dos indecisos. Com isto, percebi que há alguma flutuação em torno das médias, sendo o desvio padrão superior no caso de Gouveia e Melo. De resto, quando olhamos para as sondagens anteriores, destaca-se a tendência decrescente do almirante nas intenções de voto, o que pode ser responsável por essa volatilidade.

Com isto, a próxima questão que me coloquei foi perceber qual a relação entre a entrada de Ventura nas sondagens e esta aparente queda de Gouveia e Melo.

Efetivamente, a sondagem da Aximage pode servir como proxy, na medida em que, durante o mês de julho, ainda fez sondagens sem Ventura. Se é verdade que, aparentemente, boa parte dos eleitores de Ventura virá dos indecisos, também é verdade que entre as médias das sondagens sem Ventura e as com o líder do Chega, o almirante é o mais prejudicado, perdendo 5,6 p.p., mais 2 p.p. que Marques Mendes.

Na realidade, esta conclusão não é, de todo, chocante e, aliás, é a própria razão deste artigo. Tenho ouvido e lido bastantes analistas refletir sobre a entrada de Ventura na contenda como uma vitória para o Gouveia e Melo e uma derrota para Marques Mendes e Seguro. Não podia estar mais em desacordo, acho exatamente o oposto. É verdade que Ventura, tendo altas taxas de rejeição, oferece a vitória a quem com ele disputar a segunda volta, facilitando, teoricamente, a eleição ao almirante. Todavia, para disputar a segunda volta, é preciso lá chegar e é aí que creio estar o cerne da questão.

É normal que boa parte dos votos de Ventura venha de indecisos e/ou abstencionistas nestas sondagens. Porém, se tiver mais de 20%, como todas as sondagens legislativas indicam, não é crível que toda essa força eleitoral estivesse até agora órfã ou indecisa. Da mesma forma, não é verosímil que algum dos eleitores de Marques Mendes nas sondagens esteja na dúvida entre ele e Ventura: essa triagem já está bem marcada. Com base nestas duas crenças, podemos concluir que terá de haver – como a evolução das sondagens parece indicar – uma sobreposição ou disputa de votos significativa entre o almirante e o líder do Chega.

Acreditando nisto, é lógico constatar que Ventura prejudica todos – através da entrada de novos eleitores, que reduzem as margens relativas entre candidatos – mas prejudica especialmente, e de forma absoluta, Gouveia e Melo, através da troca de votos. Isto é uma oportunidade para Marques Mendes que se pode ver mais próximo da disputa do segundo lugar. É evidente que, até agora, o ex-líder do PSD estava em segundo, mas também é verdade que se numa segunda volta com o almirante é possível que venha a perder, num confronto final com Ventura será Presidente da República.

Claro que as variantes a esta distância são imensas: não sabemos entre Ventura e Gouveia e Melo quem leva a melhor nestes eleitores pendulares – Ventura até pode ficar fora da segunda volta; Cotrim Figueiredo pode ser uma surpresa muito positiva e acredito piamente que nesta polarização pode ter mais hipóteses do que as que os analistas lhe atribuem – mas também pode ser forçado a desistir, por ficar entalado entre Ventura e Marques Mendes ou Seguro. No fundo, a quantidade de indecisos ainda é elevada para que as sondagens sejam significativas ou permitam retirar ilações. Não obstante, parece-me certo que a entrada de Ventura vem reconfigurar as expectativas e creio que assustou as hostes do até agora frontrunner, Henrique Gouveia e Melo.

Termino lembrando que, em 1985, Maria de Lurdes Pintassilgo era a favorita, a grande candidata. No fim, ficou em quarto lugar, não tendo atingido os 10% dos votos. Se nada de estrutural mudar, o frontrunner destes meses pode mesmo ser apenas isso — um favorito até ver.

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