O futuro do trabalho e a saúde mental: o tecnostress

  • António Jácomo e Bruno Peixoto
  • 14:00

É fundamental criarem-se programas estruturais de requalificação contínua, preparando os trabalhadores para enfrentar novas exigências e reduzir a ansiedade, o que ajuda a recuperar a confiança.

“…. Estou a responder a um e-mail e chega a mensagem de um diretor a pedir uma informação, sinto-me na obrigação de responder imediatamente. O e-mail fica para depois se, entretanto, não chegar mais nada.… Até ao fim de semana, recebo mensagens do trabalho (…) se não responder fico mal visto” (João, 43 anos, vendedor)

“…. Já se fala que a empresa vai adotar um novo sistema….Supostamente vai ajudar, mas é baseado em inteligência artificial…Não sei….Tenho de começar do zero…” (Maria, 52 anos, gestora de logística)

Os modelos de produtividade estão a mudar rapidamente devido às contínuas transformações tecnológicas, sociais e económicas. Estas vêm acompanhadas de oportunidades empolgantes, mas também de muitos desafios inquietantes, particularmente na saúde mental. É preciso uma abordagem proativa para enquadrar a necessidade de otimizar fatores de produção com o bem-estar dos trabalhadores. Esta combinação não é utópica, mas precisa de passos concretos.

Em 2022, a European Union Occupational Safety and Health (EU-OSHA) assinalava que 37% dos trabalhadores europeus apresentam fadiga e 27% sofrem de stress, ansiedade ou depressão. De acordo com a Ordem dos Psicólogos Portugueses, a depressão não tratada de um trabalhador custa 8.794 euros por ano às empresas.

A perceção de que as exigências laborais excedem as capacidades do trabalhador potenciam a expressão de dificuldades e sofrimento, conduzindo a sintomas cognitivos, comportamentais e emocionais, a perturbações psicológicas diagnosticáveis e a burnout.

Partimos da convicção de que o que caracteriza o trabalho no futuro é a flexibilidade, a inovação digital e as mudanças nas expectativas dos resultados do trabalho. A automação e a IA tornam imperativo que os trabalhadores se atualizem com novas ferramentas e fluxos de trabalho, alargando a dimensão global da competitividade no emprego. De acordo com a EU-OSHA, em 2024, apenas 12% dos trabalhadores europeus não utilizavam qualquer recurso tecnológico. A introdução das novas tecnologias coloca novos desafios no domínio da saúde mental laboral.

O termo tecnostress refere-se às dificuldades associadas à adaptação às novas tecnologias informáticas. As fontes de tecnostress são diversas. Ferramentas como emails e outros meios de comunicação imediata estão associadas a um ritmo de trabalho elevado, a interrupções frequentes, a multitarefas, ao prolongamento tempo de trabalho, a expectativas sobre os tempos de resposta. Tal como o João, o leitor já terá experienciado a sensação de estar presente e “no ativo” e de como esta dificuldade em se desconectar promove o cansaço. A invasão tecnológica, apesar de promover a flexibilidade laboral, pode esbater as fronteiras entre o trabalho e outros domínios da vida. Na pandemia, com o trabalho remoto, as pausas diluíram-se. O prolongamento até à noite e aos fins de semana agrava os conflitos entre a vida profissional e familiar. Esta tendência não foi conjuntural, veio para ficar.

Muitas vezes, a complexidade técnica, imposta por novas ferramentas, desafia a qualificação do trabalhador, diminuindo a sensação de controlo sobre a sua ação e competência. Este aspeto faz sobressair a tecno insegurança, o receio de perder o emprego, de ser substituído. Assim, surge a necessidade de assumir uma postura contínua de reciclagem e adaptação às novas tecnologias. Tal como a Maria reflete, a necessidade de adaptação e aprendizagem contínua cria dificuldades, sobretudo quando os motivos e objetivos não são explícitos.

O stress induzido por avarias e erros técnicos (quem nunca se indignou com a falha de conexão à web?), a irritação devido à imprevisibilidade do comportamento do robô ou da máquina ou a ansiedade em relação à elevada complexidade completam as fontes de tecnostress. Os mercados flutuantes e os contratos baseados em produtividade podem criar instabilidade financeira, aumentando ainda mais o stress na vida dos trabalhadores.

A combinação destes tecnostressores são promotores, entre outros, da síndrome do impostor, do sentimento de dúvida sobre as capacidade e legitimidade para a realização de determinadas tarefas, assim como de ansiedade, diminuição da satisfação laboral, do bem-estar e da produtividade. Uma resposta prolongada a stressores crónicos pode culminar em exaustão e sentimentos de ineficácia, leia-se burnout. Os trabalhadores portugueses, de acordo com o sítio SmallBusinessPrices.co.uk, estão na primeira posição na Europa para o risco de burnout. Embora baseados no índice de felicidade, salário médio e horas de trabalho, estes tecnostressores devem ser considerados como fatores de vulnerabilidade adicional.

Perante tais desafios, o caminho para o sucesso no trabalho do futuro exige priorizar a saúde mental. Para o bem-estar pessoal e profissional, é fundamental criarem-se programas estruturais de requalificação contínua, preparando os trabalhadores para enfrentar novas exigências e reduzir a ansiedade, o que, por sua vez, ajuda a recuperar a confiança. Estes programas devem ser alicerçados não apenas na requalificação tecnológica, mas também na promoção do bem-estar emocional nas dimensões social, familiar e económica, para que nenhum trabalhador seja estigmatizado e encontre a ajuda necessária, reduzindo a solidão.

Ter em consideração a saúde mental é a chave para o sucesso contínuo num mundo em rápida mudança.

  • António Jácomo
  • Professor auxiliar do Instituto Universitário de Ciências da Saúde
  • Bruno Peixoto
  • Diretor do Departamento de Ciências Sociais e do Comportamento do Instituto Universitário de Ciências da Saúde

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