O ministro que gosta de malhar (e não olha para o espelho)
Augusto Santos Silva "malhou" nos empresários e gestores, como tinha prometido fazer em 2009 à Direita. Talvez a CIP tenha finalmente percebido o que realmente pensa o Governo das empresas.
2009, um ministro dos Assuntos Parlamentares: “Eu cá gosto é de malhar na Direita”. 2019, um ministro dos Negócios Estrangeiros decide “malhar” nos gestores e empresários. Adivinhou, é o mesmo ministro que, em 2011, pertenceu a um Governo que levou o país à bancarrota. Augusto Santos Silva, nada diplomático, considera que o problema das empresas é a “fraquíssima qualidade da gestão”.
O que disse Augusto Santos Silva? Qual é um dos principais problemas das empresas portuguesas? É “a fraquíssima qualidade da sua gestão”. E não só. Não percebem o que está em causa, diz o ministro, e até disse que se pode “esperar sentado” se se supõe que o atual tecido industrial português “é capaz, por si só, de perceber a vantagem em trazer inovação para o seu seio e a vantagem em contratar pós-graduados e doutorados”. “É preciso mudar o tecido industrial”, vincou. Não disse, mas pensou com toda a certeza, aproveite-se o período de saldos para vender os empresários portugueses e comprar outros. Os estrangeiros é que são bons.
O ministro lidera a diplomacia portuguesa e tem tutela conjunta da AICEP — terá Augusto Santos Silva tido um ataque de amnésia em relação às suas funções — decidiu responsabilizar os empresários pelos problemas das empresas, presume-se pela baixa produtividade e valor acrescentado da economia portuguesa. Por ideologia, ou populismo, ou para justificar as promessas falhadas do Governo aos jovens mais qualificados. Afinal, 8.º Fórum Anual de Graduados Portugueses no Estrangeiro (GraPE 2019), que decorreu no Departamento de Matemática da Universidade de Coimbra.
A produtividade em Portugal é baixa, e a evolução na última década foi marginal (vale a pena consultar o Boletim Económico do Banco de Portugal com uma análise à produtividade aparente do trabalho) e há várias razões que explicam esta realidade. A formação de trabalhadores, a sua qualificação, as competências dos gestores e empresários, sim, a falta de dimensão das empresas e especialmente a falta de capital, talvez o maior de todos os problemas. Mas também as políticas públicas, que durante décadas criaram os incentivos ao financiamento de setores não transacionáveis. E especialmente as políticas públicas que se viram nos últimos quatro anos, já fora da intervenção externa e com condições económicas e monetárias excecionais.
Na crise, se houve alguma coisa a correr bem foi a capacidade de risco dos empresários, muitos deles a internacionalizarem as suas empresas sem verdadeiramente terem as condições para o fazer, mas a demonstrarem uma capacidade de risco excecional (leia-se extraordinária). E isso mede-se no crescente aumento do peso das exportações no PIB, já a tocar nos 45%. É aliás esse o discurso oficial deste Governo quando corta fitas em inaugurações empresariais e quando abre e encerra conferências empresariais. Santos Silva “esqueceu-se”, convenientemente, que o tecido industrial está a mudar, para melhor, a uma velocidade sem paralelo, especialmente com a velocidade a que deveria estar a mudar a qualidade da classe política. E de alguns ministros.
O ministro dos Negócios Estrangeiros “esqueceu-se”, também, convenientemente de quatro anos — para não recordarmos o período do Governo de Sócrates, a que pertenceu — em que a prioridade foi a redistribuição e não a criação de riqueza. E esqueceu-se que ainda há duas semanas esteve perante mais de meia centena de gestores e empresários portugueses que, por esse mundo fora, demonstram a qualidade de gestão dos gestores e empresários portugueses quando estão no contexto certo. A discursar, claro.
Santos Silva gosta de andar na alta diplomacia, fugiu há quatro anos para a política externa, refugiou-se nos circuitos das capitais internacionais para evitar “sujar as mãos” com a geringonça e a política interna. É legítimo, mas de vez em quando regressa para “malhar”…
António Saraiva respondeu, e bem, a este ataque despropositado na forma e na substancia, porque omitiu o contexto em que os empresários e gestores trabalham. Despropositado ou com muito propósito, porque Santos Silva raramente diz alguma coisa por acaso. Só faltará ao presidente da CIP perceber que, com este Governo, as empresas privadas, os gestores e os empresários, serão sempre um parente pobre, instrumentais para uma estratégia partidária de manutenção de poder. Um mal necessário. Com Centeno, sem Centeno, com Pedro Siza Vieira como ministro-adjunto ou como ministro de Estado e da Economia e número dois na hierarquia.
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