O mundo secreto do Banco de Portugal
A política salarial no Banco de Portugal é uma espécie de mundo secreto, que só conhece quem lá passa, opaco e sem escrutínio. Para alguma coisa serviu o caso do secretário-geral do Governo.
A nomeação de Hélder Rosalino para secretário-geral do Governo com o salário de origem do Banco de Portugal, na ordem dos 15 mil euros brutos por mês, teve a virtude de pôr o país a discutir a política salarial do banco central, o nível salarial de uma entidade supervisora e o que se vai sabendo, ainda a custo, mostra a opacidade como tudo foi feito, e é feito, ao longo dos anos, sempre sob a falácia da pertença ao sistema europeu de bancos centrais. Os salários são definidos em Lisboa, foram-no há anos, e sabemos até que a comissão de remunerações não reúne há uma década.
O país descobriu que melhor do que ser membro do conselho de administração do Banco de Portugal é ser ex-membro do conselho de administração e consultor, estatuto que exige ser quadro efetivo da instituição, o que não sucede com todos os administradores ou sequer governadores: Carlos Costa não era quadro do Banco de Portugal, Mário Centeno é. Mas se o Banco de Portugal é tão rigoroso com todos os temas legais que permitem garantir a sua independência face ao poder político, é difícil perceber que tenha convivido tão bem ao longo da última década com um sistema e uma política de remunerações que funciona à margem do que dizem os próprios estatutos e com demasiadas regras não escritas, como as promoções e evoluções de carreira.
Mário Centeno vai ter de ir ao Parlamento nos próximos dias para falar sobre os salários no Banco de Portugal. E num movimento de antecipação, o ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, iniciou o processo para uma reunião da Comissão de Remunerações do Banco, de que é presidente por inerência, mas está à espera que Centeno indique um ex-governador para o dito comité.
O que já se sabe? O governador do Banco de Portugal tem um salário bruto de 18 177,18 por mês, o vice-governador ganha 17 041,11 e um administrador 15 905,04 (valores de 2024). Mas o Banco de Portugal tem um sistema de carreiras, na verdade tem dois que convivem em paralelo, em modelo de transição, com níveis e progressões profissionais.
O que não se sabe? Quais são os critérios para as promoções dentro desses níveis? E são progressões automáticas ou em função de avaliação de desempenho? E quantos consultores tem o Banco de Portugal, além de Hélder Rosalino?
No caso particular dos membros do conselho de administração, a situação de consultor serve como uma espécie de prémio carreira, porque em várias situações, se o administrador passasse para o nível que tinha antes de integrar aquele órgão, sofreria um corte salarial severo. Ora, era mesmo isso que deveria acontecer, mas o Banco de Portugal montou um sistema que permite uma proteção de grupo, endogâmica. Uns protegem-se aos outros, e ninguém sai a perder, especialmente porque isso é também a garantir de uma reforma dourada, calculada a partir do último salário. Nada disto está bem, e nada disto é escrutinado, quando o Banco de Portugal é uma entidade pública (não financiada por impostos, é certo).
O sistema não foi inventado hoje, não foi criado por Mário Centeno, nem sequer por Carlos Costa, mas todos os membros dos sucessivos conselhos de administração convivem bem com isso, mesmo quando têm divergências profundas sobre outras matérias, às vezes até pessoais. Nesta, estão todos de acordo.
A nomeação de Hélder Rosalino para a administração da Valora é o último episódio de um processo, e não é bonito. Centeno fez questão de mostrar que o ‘futuro-ex’ secretário geral do Governo tinha aceite em novembro aquela função para a empresa responsável pela produção de notas e moedas de euro. Depois, aceitou o convite de Montenegro, desistiu por causa da polémica salarial, e do receio de ver o Parlamento a tirar-lhe mais de metade do salário, e volta a aceitar o convite do governador. Rosalino sai muito mal deste processo, não deveria ter aceita esta nomeação, e acaba a ser usado por Centeno, e a deixar-se usar, para o confronto com o ministro das Finanças.
Aguardam-se as cenas dos próximos episódios.
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