O Pacote das 60 Medidas: Uma Luz ao Fundo do Túnel?

  • Katya Ivanova Santos
  • 3 Setembro 2024

Estas medidas são realmente o que as empresas portuguesas precisam para triunfar a nível internacional? Ou será que estamos apenas a remendar um barco que continua a afundar-se?

Empreender é, por si só, um ato de coragem. Internacionalizar, expandir além-fronteiras, é um passo ainda mais audacioso, especialmente para as PME (pequenas e médias empresas) e startups. Portugal tem sido frequentemente apresentado como um terreno fértil para startups, com um ecossistema vibrante e em crescimento. Contudo, é um país com uma economia de pequena escala, o que naturalmente desafia as suas empresas a procurarem novos mercados se querem escalar e sobreviver a longo prazo. Para muitas PME e startups, a internacionalização pode ser tanto o Santo Graal quanto o seu calcanhar de Aquiles.

Recentemente, o governo português anunciou um ambicioso “Pacote de 60 Medidas” com o objetivo de facilitar a vida dos empreendedores e impulsionar o crescimento das nossas empresas além-fronteiras. À primeira vista, estas iniciativas parecem promissoras, sinalizando um compromisso real com o fortalecimento do empreendedorismo nacional. Mas, ao olharmos mais de perto, é fundamental questionar: estas medidas serão realmente o catalisador que o empreendedorismo português tanto necessita, ou tratam-se apenas de mais uma jogada política para apaziguar as críticas?

A Armadilha da “Zona de Conforto” Nacional

O empreendedorismo português tem-se revelado dinâmico, criativo e resiliente, mas continua demasiadamente voltado para dentro. As políticas e incentivos até agora lançados pelo governo têm, na sua maioria, incentivado o desenvolvimento de negócios com um foco excessivamente local. O “Pacote das 60 Medidas”, embora ambicioso, corre o risco de perpetuar esta tendência, se não for estrategicamente implementado.

Portugal tem o talento, a criatividade e a resiliência para ser um player global. No entanto, precisamos de mais do que medidas temporárias ou pontuais. Precisamos de uma mudança cultural, de um apoio contínuo e de políticas que realmente compreendam e respondam às necessidades das empresas que querem conquistar o mundo.

Empreender em Portugal não pode significar ficar em Portugal. O mercado nacional, pela sua dimensão e maturidade, é insuficiente para sustentar o crescimento a longo prazo de muitas startups. O verdadeiro desafio e oportunidade residem na capacidade de internacionalizar desde o primeiro dia. Mas será que estamos prontos?

A resposta a esta pergunta não é simples. Portugal tem o talento, a criatividade e a resiliência para ser um player global. No entanto, precisamos de mais do que medidas temporárias ou pontuais. Precisamos de uma mudança cultural, de um apoio contínuo e de políticas que realmente compreendam e respondam às necessidades das empresas que querem conquistar o mundo. Estamos no caminho certo, mas ainda há muito a fazer.

Desafios da Internacionalização

Antes de mais, é essencial reconhecer os desafios concretos que as empresas enfrentam ao tentar expandir-se para além das fronteiras nacionais.

O primeiro desafio é a adaptação ao novo mercado. Cada país tem as suas particularidades culturais, legais e económicas. Compreender estas nuances e ajustar o modelo de negócio para que seja relevante e competitivo no novo mercado é fundamental. No entanto, este processo exige recursos que muitas vezes são escassos numa PME ou startup. A contratação de profissionais locais, o investimento em estudos de mercado e a adaptação do produto ou serviço são passos que envolvem custos significativos.

Outro grande desafio é a gestão da escala. Passar de um mercado nacional para múltiplos mercados internacionais exige uma estrutura organizacional robusta. Muitas startups crescem rapidamente sem a infraestrutura necessária para sustentar esse crescimento, o que pode levar a problemas operacionais, perda de qualidade e, eventualmente, a uma má reputação nos novos mercados.

A questão da conformidade regulatória também não pode ser ignorada. Cada país tem as suas próprias regulamentações em termos de comércio, fiscalidade, propriedade intelectual, entre outros. Navegar por este labirinto jurídico pode ser confuso e caro, especialmente para empresas que não têm uma equipa jurídica interna.

Uma das medidas do “Pacote das 60 Medidas” inclui também incentivos para atrair talento especializado, o que é vital para qualquer startup que deseje expandir-se internacionalmente. No entanto, a competição global por talento é feroz, e Portugal precisa de garantir que tem as condições necessárias para reter os melhores profissionais e atrair aqueles que podem fazer a diferença em mercados estrangeiros.

O financiamento, também muitas vezes é um obstáculo. Expandir para novos mercados requer capital significativo, e nem sempre é fácil obter financiamento suficiente, especialmente em países onde a empresa ainda não tem histórico. A dependência de investidores pode também criar pressões adicionais, especialmente se os resultados não forem imediatos.

O sucesso em um mercado estrangeiro muitas vezes depende da capacidade do empreendedor de construir redes de contactos e parcerias estratégicas locais. Isso pode incluir parcerias com distribuidores, fornecedores, ou até alianças com outras empresas locais. No entanto, para empreendedores que estão entrando em um mercado desconhecido, construir essas relações leva tempo e requer uma compreensão profunda do ambiente de negócios local.

Uma das medidas do “Pacote das 60 Medidas” inclui também incentivos para atrair talento especializado, o que é vital para qualquer startup que deseje expandir-se internacionalmente. No entanto, a competição global por talento é feroz, e Portugal precisa de garantir que tem as condições necessárias para reter os melhores profissionais e atrair aqueles que podem fazer a diferença em mercados estrangeiros.

Dito isto, vejamos como o “Pacote das 60 Medidas” endereça, ou não, estas questões.

Medidas de Apoio ao Empreendedorismo

O pacote inclui várias medidas destinadas a apoiar o empreendedorismo, e algumas delas parecem promissoras. Destaco as seguintes:

  1. Simplificação de Processos Burocráticos: A promessa de simplificação dos processos burocráticos para as empresas que pretendem internacionalizar é, sem dúvida, uma medida bem-vinda. No entanto, a eficácia desta medida dependerá da sua implementação prática. É comum ver boas intenções esbarrar em procedimentos que, na prática, se revelam igualmente complicados e lentos.
  2. Incentivos Fiscais: A criação de incentivos fiscais para as empresas que apostam na internacionalização é outra medida importante. Contudo, é necessário garantir que estes incentivos são efetivamente acessíveis a todas as empresas, independentemente da sua dimensão. Muitas vezes, as pequenas e médias empresas (PME) têm dificuldade em cumprir os requisitos para aceder a estes benefícios.
  3. Apoio à Inovação: Outro ponto positivo é o reforço dos apoios à inovação. Empresas que investem em inovação estão mais bem preparadas para competir a nível internacional. No entanto, é crucial que estes apoios sejam flexíveis e adaptados às necessidades reais das empresas.
  4. Atração de Talento: A inclusão de medidas para facilitar a captação de talento especializado é um reconhecimento importante de um dos maiores desafios que as empresas enfrentam na internacionalização. No entanto, é preciso garantir que estas medidas se traduzem em ações concretas que ajudem as empresas a competir globalmente por profissionais qualificados.

É Suficiente?

A questão que todos devemos colocar é: estas medidas são realmente o que as empresas portuguesas precisam para triunfar a nível internacional? Ou será que estamos apenas a remendar um barco que continua a afundar-se? O verdadeiro desafio não está em criar mais medidas, mas em assegurar que as existentes sejam implementadas de forma eficaz, acompanhadas de um suporte contínuo e de uma abordagem que valorize a experiência prática.

Oportunidades e Limitações

As medidas propostas trazem, sem dúvida, oportunidades significativas, especialmente se forem aplicadas de forma eficaz e equitativa. A possibilidade de simplificação burocrática pode permitir que as empresas se concentrem mais na expansão e menos nas complicações administrativas. Além disso, os incentivos fiscais e apoios à inovação são ferramentas poderosas, desde que acessíveis e verdadeiramente úteis.

Mais do que criar um ambiente favorável, precisamos de um ecossistema que inspire confiança, que capacite as empresas a enfrentarem os mercados globais com as ferramentas necessárias. A internacionalização é uma maratona, não um sprint, e requer resiliência, preparação e apoio contínuo.

No entanto, a realidade mostra-nos que a aplicação destas medidas enfrenta vários desafios. A burocracia é um monstro difícil de domar, e muitas das promessas feitas no papel acabam por se dissipar na realidade das empresas. Para além disso, a eficácia das medidas de incentivo fiscal depende da capacidade das empresas em aceder a esses incentivos, o que muitas vezes está condicionado por fatores que escapam ao controlo das PME.

Um Olhar para o Futuro: Seremos Capazes de Mudar?

A internacionalização é mais do que uma mera expansão geográfica, é uma transformação profunda na forma como as empresas operam, inovam e se adaptam a novas realidades. Na AssetFloow, temos aprendido que o sucesso internacional não se alcança apenas com boas ideias ou produtos inovadores, mas também com a capacidade de navegar em ambientes complexos e, muitas vezes, imprevisíveis.

O verdadeiro teste para o “Pacote das 60 Medidas” será a sua capacidade de ir além do papel e fazer a diferença na prática. Mais do que criar um ambiente favorável, precisamos de um ecossistema que inspire confiança, que capacite as empresas a enfrentarem os mercados globais com as ferramentas necessárias. A internacionalização é uma maratona, não um sprint, e requer resiliência, preparação e apoio contínuo.

Olhando para o futuro, é imperativo que sejamos não apenas ambiciosos, mas também sábios nas nossas escolhas. O sucesso de Portugal como uma nação empreendedora globalmente reconhecida dependerá da nossa capacidade de implementar medidas eficazes e de manter um foco inabalável na qualidade, na inovação e na colaboração. Se conseguirmos fazer isso, não só as nossas empresas prosperarão além-fronteiras, como também Portugal se afirmará como um verdadeiro player no cenário global.

É nesta sabedoria coletiva que reside o futuro do empreendedorismo português. É hora de transformar promessas em ação, ideias em inovação, e potencial em resultados. Com determinação, estratégia e o apoio certo, podemos fazer de Portugal um país de sucesso e um exemplo a seguir no mundo dos negócios.

  • Katya Ivanova Santos
  • Cofundadora e CEO AssetFloow

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