O país não tem futuro com geringonças
À inexistência de reformas estruturais acresce a má gestão dos serviços públicos (a situação desastrosa do SNS é apenas um exemplo) e os níveis de investimento público, inferiores ao tempo da troika.
Desde o 25 de Abril até agora, os portugueses têm votado sistematicamente, acima dos 75 % (dos votos expressos) em 3 partidos políticos: PS, PSD e CDS. As únicas votações abaixo deste patamar ocorreram em 1975 (60%) e 1979 (72,6%). Estes três partidos sempre tiveram, obviamente, grandes diferenças entre si, mas todos eles têm sempre defendido um conjunto de princípios e valores fundamentais que caracterizam uma sociedade democrática, inserida no espaço europeu.
De forma sumária, entre estes princípios e valores, estão a defesa e a adopção de uma economia de mercado, de iniciativa privada, com mecanismos de equidade e protecção social pelo Estado, a construção e desenvolvimento da União Europeia, a pertença à zona euro e a participação do país em organismos multilaterais de defesa das sociedades abertas, democráticas, como a NATO.
Desde 2015, porém, a solução governativa que governa o país trouxe uma nova realidade, trazendo para a área da governação partidos que querem uma outra organização económica e social.
De facto, devido ao seu posicionamento ideológico, os partidos de extrema esquerda defendem o oposto daqueles princípios e valores que referi : são contra a participação de Portugal na construção europeia e na zona euro, rejeitam a participação do país em organizações internacionais como a NATO, querem uma economia em que o Estado é o motor da iniciativa económica, defendem a nacionalização de sectores de actividade fundamentais e toleram apenas a iniciativa privada.
E é esta oposição àqueles princípios e valores fundamentais que a população sempre aprovou, por larga maioria, em votações, desde o 25 de Abril, que explica a não inclusão dos partidos de extrema esquerda, durante longos anos, no chamado “arco de governação”: os lideres partidários, do PS e do PSD, que até 2015 formaram Governos, não adoptaram qualquer “tabu”e não tiveram uma suposta atitude de rejeição ou discriminação daqueles partidos , pelo contrário, as suas decisões foram sempre no sentido , e a meu ver bem, que o caminho estratégico para o país, de crescimento e de desenvolvimento, no quadro de uma sociedade democrática, inserida no espaço europeu, teria que ser feito por forças politicas que, no essencial, defendessem aqueles princípios e não por aqueles partidos que os negassem.
E esta questão é real, concreta e não do domínio da teoria: o desenvolvimento do país exige um conjunto de reformas estruturais que assegure a sua competitividade num mundo global e competitivo (o que é critico para assegurar níveis crescentes de bem estar para a população) e isto não é possível com uma solução governativa que depende de partidos de extrema esquerda.
De facto, e por exemplo, como promover e assegurar a competitividade do país, para a qual é vital o papel dos empreendedores e das empresas, quando a iniciativa privada é apenas tolerada e secundarizada pelos partidos da extrema esquerda (dos quais o Governo dependeu até agora)?
O conjunto de princípios e de valores que estes partidos lutam para impor na sociedade portuguesa são aqueles que historicamente tiveram na base de sistemas económicos e políticos fracassados (como na antiga ex-União Soviética e países da sua órbita da Europa de Leste) que deixaram um rasto de subdesenvolvimento, de atraso económico, e de penúria generalizada em termos de condições de vida da população, com perda de liberdades (de expressão, de votação etc.).
O bem estar e os melhores níveis de vida das populações alcançados na Europa e também em Portugal não decorrem das politicas que a extrema esquerda defende mas são sim o resultado de sociedades abertas, de economia de mercado, regulada, de iniciativa privada e com um papel enquadrador do Estado nas politicas públicas, em especial de protecção social e de combate às desigualdades.
Mas em face desta diferença profunda, insanável, face ao modelo de sociedade em que pretendemos viver, defendida pelos partidos da extrema esquerda, como foi então possível conciliar, desde 2015, um PS historicamente favorável aos valores europeus e da economia de mercado, de iniciativa privada, com o posicionamento ideológico destes partidos?
No curto prazo, esta contradição intrínseca (admitindo que o actual PS continua a ser fiel aos princípios que sempre defendeu) tem sido escondida da população devido, fundamentalmente, a dois tipos de razões: o comportamento desses partidos de extrema esquerda e as melhores condições económico e financeiras do país (que se devem em grande parte à conjuntura altamente favorável de que esta solução governativa usufruiu nestes últimos 4 anos).
Quanto ao comportamento daqueles partidos há dois aspectos principais a salientar:
- Por um lado, a sua vontade e ambição de participarem na esfera do poder (para aumentarem a sua influência, e no caso do PCP também para travar o declínio do movimento sindical) levam-nos a abdicar de princípios e a praticar um registo dúplice: por ex, verbalização forte contra a Europa mas aprovação de todos os orçamentos de um Governo que pratica e defende (e bem ) a participação activa na União Europeia;
- Por outro lado, estes partidos aparecem na opinião pública e nos debates e presença na comunicação social como “partidos de causas” para melhoria das condições de vida da população: da causa do aumento do salário mínimo, dos passes dos transportes, etc., ( e também de causas sociais fracturantes), em contraste com partidos que defendem também causas mas que explicitam e transmitem para a população que tipo de sociedade propõem para o país.
Ou seja, a população percepciona aqueles partidos como defensores de causas, de melhores condições de vida, mas não tem presente que os valores e princípios que defendem, se hipoteticamente levados à prática, num Governo que dominassem, traria exactamente o resultado contrário : penúria, perda de liberdades, como aconteceu em países em que os partidos que defendem esses princípios estiveram longamente no poder (como na ex-União Soviética e nos países da sua órbita no leste europeu) e acontece ainda hoje, como por ex, em Cuba. E nem o “aggiornamento” daqueles princípios ideológicos feita pela extrema esquerda “moderna” em contexto democrático conduz a uma solução para o futuro (como o caso do Syriza na Grécia comprova).
Quanto às melhores condições económico e financeiras do país, podemos de facto colocar a seguinte questão:
- Mas a chamada “solução portuguesa” de um Governo sustentado e viabilizado pela extrema esquerda não provou que, apesar das diferenças insanáveis entre eles, conseguiu melhorar a situação económica e financeira do país e as condições de vida dos portugueses?
É inegável que se verificou um crescimento económico, que o desemprego diminuiu significativamente, que a dimensão dos défices orçamentais foi significativamente reduzida , que as exportações em percentagem do PIB aumentaram e que os juros pagos da nossa enorme dívida pública diminuíram , o que permitiu a devolução de rendimentos à população ,que tinham sido cortados no período da Troika, num contexto em que a politica económica do actual Governo privilegiou o consumo em detrimento do investimento.
Mas também é inegável referir que:
- A acção do Governo anterior estabeleceu uma estratégia e executou um conjunto de medidas para combater a situação de bancarrota em que o país se encontrava em 2011, criando melhores condições para a actuação do actual Governo (recorde-se que o país começou a crescer já em 2013 e que as exportações em % do PIB passaram de cerca de 28 % -antes da crise económica e financeira de 2008- para cerca de 40% no governo anterior).
- O crescimento económico foi medíocre, muito inferior aquele dos países com os quais nos comparamos, sendo que muitos deles já nos ultrapassaram em termos de riqueza per capita mesmo os países atrasados que saíram do colapso da União Soviética havendo a perspectiva de, em poucos anos, no “ranking” dos 28 países europeus, Portugal estar na cauda da Europa apenas com a Grécia atrás de si. E isto apesar de nestes últimos 4 anos a Europa (determinante para a nossa economia) ter crescido fortemente.
- A produtividade face à média dos países europeus diminuiu (factor muito importante que condiciona a competitividade do país e portanto a possibilidade de dar melhores condições de vida à população ,por exemplo salários mais elevados).
- O desemprego diminuiu (de 12,6% para 6,2%) mas a criação de emprego é precária e com baixos salários, muito em resultado do novo emprego ser, em grande parte, devido à expansão do turismo.
- Os défices orçamentais melhoraram (de cerca de 3% para 0,2%) mas em resultado de uma enorme carga fiscal que atinge hoje 35,2 % do PIB, o nível mais elevado de sempre, e por cativações da despesa que atingiram fortemente o funcionamento dos serviços públicos (no SNS-Serviço Nacional de Saúde, nos transportes etc.) e não por maior eficiência na despesa para a qual seria necessário realizar reformas estruturais, impossíveis de realizar com esta solução governativa.
- A diminuição dos juros da divida pública portuguesa deveu-se fundamentalmente à politica de juros baixos do Banco Central Europeu.
- A dívida pública portuguesa aumentou em valor absoluto (embora tenha decrescido em % do PIB) com valores que continuam a colocar-nos como um dos países mais endividados da União Europeia.
Ou seja, esta solução governativa usufruiu de uma conjuntura externa altamente favorável: forte crescimento económico da União Europeia (com efeitos directos na economia portuguesa); baixos custos do petróleo; muito baixas taxas de juro devido à politica do Banco Central Europeu e forte expansão do turismo (em grande parte devido aos graves problemas dos países com os quais Portugal concorre) e apesar disso, nos últimos 4 anos, não foram efectuadas reformas de fundo que preparassem o futuro do país.
A acrescer a esta inexistência de reformas estruturais, há que referir ainda a má gestão dos serviços públicos (de que a situação desastrosa do SNS é apenas um exemplo) e os níveis de investimento público, ainda mais baixos do que no período da Troika, o que compromete o futuro do país.
Esta solução governativa foi incapaz, ao longo de 4 anos, de realizar as reformas estruturais que o país necessita e sobretudo de ter para o futuro uma estratégia para Portugal porque, em termos fundamentais, decisivos, trata-se de uma solução “contra natura”, um “casamento entre contrários” , que foi superado, no curto prazo, apenas por tacticismo dos partidos que a compõem e pela excelente oportunidade (desperdiçada para o futuro) propiciada por uma conjuntura altamente favorável.
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