O que é que a Dinamarca tem (e Portugal não)

Imaginem se pudéssemos casar as temperaturas amenas ou o sol de Portugal com a dinâmica das economias nórdicas.

O ministro das Finanças esteve terça-feira no Parlamento para a audição regimental da Comissão de Orçamento e Finanças. O dia não podia ter sido melhor. O INE confirmara de manhã que a economia cresceu 6,7% em 2022 e que a inflação voltava a abrandar, ainda que pouco, para 8,2%. As exportações atingiram a almejada meta de 50% do PIB.

Fernando Medina armou-se com os números para o embate com os deputados. “Tivemos hoje a confirmação de que a economia cresceu 6,7%, o maior crescimento em 35 anos e quase o dobro do registado na Zona Euro. Os números superaram todas as expetativas”, afirmou.

O ministro trazia também um trunfo na manga: a dívida pública baixou para 113,8% do PIB, o nível mais baixo desde 2010. “É um importantíssimo resultado que quero sublinhar porque alarga as margens de atuação no presente, assegura maior sustentabilidade do nosso modelo social e, mais importante, significa mais segurança e liberdade para as futuras gerações poderem tomar as suas decisões”, atirou. Evocou ainda a diminuição do endividamento das famílias e empresas e o elevado nível de emprego (que começa a fraquejar).

Não há a menor dúvida de que reduzir o peso da endividamento do Estado é uma política pública crucial, mais ainda no contexto atual de subida das taxas de juro, que os dados macroeconómicos vão mostrando que tão cedo não vão descer. Mas o “El Dorado” que Fernando Medina pintou está, infelizmente, a muitas léguas da realidade. Desde logo quando se olha para a evolução do PIB, que entre 2020 e 2022 cresceu, em média, apenas 1,3% ao ano.

É olhar para o copo meio vazio, dirão alguns. O simples facto de um grande número de jovens qualificados estar a emigrar e não querer voltar é prova bastante de que o país continua a falhar. Um estudo da Associação BRP e da consultora Deloitte, divulgado esta semana pelo Dinheiro Vivo, conclui que Portugal “perdeu” para a emigração 10,4% da população portuguesa na última década e que quase 40% dos cerca de 50 mil novos licenciados que saem por ano das universidades deixam o país. Metade da chamada geração Z (nascidos a partir do final dos anos 90) está “propensa ou muito propensa” a emigrar, segundo o inquérito realizado, o dobro dos millennials.

Além de reduzir o potencial de crescimento do país, este êxodo agrava ainda mais a já trágica evolução demográfica prevista. Porque saem? Baixos salários, poder de compra reduzido e falta de perspetivas. Todas com uma causa comum: a falta de competitividade do país.

Segundo o último ranking anual do prestigiado International Institute for Management Development (IMD), a Dinamarca é o país mais competitivo do mundo, tendo vindo a subir posições ano após ano — era sétimo em 2017 e 15º em 2021, o que revela consistência na adoção das políticas certas. O que tem o país nórdico que Portugal não tem?

Tem níveis reduzidos de burocracia, e não a nossa versão kafkiana. Há um espírito de confiança e responsabilização individual. A corrupção, esse veneno para o desenvolvimento económico, é incomum, com o país ocupar o primeiro lugar do índice da Transparência Internacional. Portugal está em 33º.

Isso significa que os empreendedores e as empresas conseguem ser mais ágeis. O país destaca-se na legislação empresarial (terceiro do ranking) e ocupa o primeiro lugar na eficiência corporativa, que avalia a inovação, a rentabilidade e a sustentabilidade dos negócios. O que resulta das boas práticas de gestão onde, mais uma vez, ocupa o topo da lista.

Apesar de ter apenas 5,8 milhões de habitantes, a Dinamarca é sede de algumas das maiores empresas do mundo, como o Maersk Group, líder no transporte marítimo, a farmacêutica Novo Nordisk ou a Carlsberg. Com uma particularidade, sublinhada pelo novo diretor da Nova SBE, Pedro Oliveira, ao ECO: são maioritariamente detidas por fundações, o que além de as protegerem de aquisições hostis, permite reverter para a sociedade uma grande parte dos lucros.

A qualificação dos recursos humanos também faz diferença. Segundo os dados do Eurostat, 31,7% dos portugueses com idade entre os 25 e os 54 anos completou o secundário, contra 38,4% na Dinamarca. A diferença realmente expressiva está no ensino vocacional, que pesa apenas 11,8% em Portugal e chega aos 30,3% no país nórdico. A Dinamarca tem também uma maior percentagem de população com o ensino superior, 44,7% contra 35,8%. Portugal tem feito um grande progresso, mas começou mais tarde, o que explica porque só 15,6% dos portugueses entre os 55 e os 74 anos têm curso superior, praticamente metade da Dinamarca.

O país nórdico também pontua muito bem em fatores como o enquadramento social (2.º), nas atitudes e valores (3.º), nas infraestruturas (2.º) e na adoção de políticas públicas que reforçam a competitividade (6.º). Tem, já se sabe, impostos muito elevados (57.º), que financiam um dos melhores estados sociais do mundo, mas que são mais do que compensados por todos os outros fatores.

Se por cá o primeiro-ministro diz que não gosta da expressão “reformas estruturais”, o governo dinamarquês apresentou no início do ano passado um pacote delas com vista a aumentar a produtividade e o PIB potencial até 2030. Nos últimos três anos, a economia cresceu, em média, 2,17%. O país também se destaca na sustentabilidade, com uma consciência social muito maior sobre o tema e metas mais ambiciosas na redução das emissões: 70% em 10 anos.

O segundo país mais feliz do mundo não tem as temperaturas amenas de Portugal ou o nosso sol. Imaginem se pudéssemos casar isso com a dinâmica das economias nórdicas? Só se consegue com políticas económicas acertadas, estáveis e uma visão de longo prazo. Não com um constante ziguezague, a tendência para complexificar regimes legais e fiscais em vez de os simplificar e a pulsão para afogar em impostos qualquer negócio que esteja a correr bem.

Nota: Este texto faz parte da newsletter Semanada, enviada para os subscritores à sexta-feira, assinada por André Veríssimo. Há mais para ler. Pode subscrever a Semanada neste link.

 

E na próxima semana?

  • Exportações na China

Na terça-feira saem os números sobre as exportações e importações na China, com os economistas a anteciparem quebras de 9,9% e 5,5%, respetivamente.

  • Emissão de obrigações

A Agência de Gestão da Tesouraria e Dívida Pública vai ao mercado na quarta feira para emitir entre 750 e mil milhões de euros em Obrigações do Tesouro com maturidade próxima dos 10 anos, prazo que na sexta-feira estava com uma taxa de 3,57%. O IGCP tem enfrentado custos crescentes nas emissões. A S&P pode pronunciar-se sobre o rating de Portugal na sexta-feira.

  • Mais resultados anuais

A NOS apresenta as contas anuais na terça-feira, assim como a REN. Segue-se a Sonaecom na quarta-feira. Quinta-feira será a vez do Novobanco fechar o ciclo de resultados dos maiores bancos portugueses.

  • Biden meets Ursula

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen viaja para os EUA na sexta-feira, onde se vai encontrar com Joe Biden. Segundo a Casa Branca, os dois líderes vão debruçar-se sobre “o trabalho conjunto para responder aos desafios colocado pela China”. A Guerra na Ucrânia e a Lei de Proteção da Inflação também deverão fazer parte da agenda.

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