O regresso do anti-semitismo

É muito preocupante que no Ocidente livre se estejam a criar condições para o regresso do ataque aos judeus, como sucedeu no século XX.

O conflito na Faixa de Gaza mostra o mesmo que o da Ucrânia: A guerra tem consequências terríveis para todos os que nela são envolvidos, desde a morte até à perda de familiares, de casa, de bens, de propriedades e, no limite, da honra e da mais elementar decência. Mas Israel levanta ainda outras duas questões: Porque é que há grupos da população dos países desenvolvidos que não questionam a acção de grupos terroristas? E qual a origem do anti-semitismo que regressa ao mundo ocidental, oito décadas depois de um episódio horrível como o Holocausto? Sem ter a pretensão de ter uma resposta, deixo algumas notas que o poderão ajudar a entender.

Em 7 de outubro de 2023, a organização terrorista Hamas matou mais de 1300 israelitas e raptou cerca de duas centenas e meia. Estas pessoas foram raptadas e mantidas vivas para prevenir uma retaliação de Israel. Mas os cálculos do Hamas saíram errados porque Israel sentiu que, mais do que raptos e mortes, a operação expôs uma ameaça permanente para a segurança do país.

Esta ameaça é existencial no caso de Israel por várias razões, entre as quais destaco três, com as duas primeiras a serem recentes e a terceira a ser parte da História do povo Judeu:

  1. As tentativas de aniquilação do Estado de Israel verificadas desde a sua formação foram muitas e variadas, levando a conflitos do país com vários estados, organizações e parte da própria população árabe: 1948, 1956, 1967-1970, 1973, 1982, 1987-1993, 2000, 2006, 2021 e 2023.
  2. O objectivo explícito de países árabes para continuarem a tentar, até o conseguirem, aniquilar o Estado de Israel. Aqui incluem-se não só países inimigos, como o Irão ou a Síria, mas também organizações terroristas como o Hamas e o Hezbollah que apenas existem para a sua destruição.
  3. O sentimento de anti-semitismo que há séculos existe na Europa, no Oriente e no Norte de África, sendo que no primeiro caso esse sentimento foi atenuado nos anos seguintes à tragédia do Holocausto, enquanto nos outros foi aumentado com a formação do Estado de Israel.

É com esta perspectiva que deve ser entendida a reacção de Israel aos ataques de 7 de Outubro. Realço que compreender não quer dizer apoiar, mas esse não é o tema do artigo.

O tema é a atitude de contestação a Israel que se tornou regra em alguns sectores das sociedades ocidentais. O que é que leva pessoas livres e que beneficiam de um nível de vida que as coloca entre os 5% mais ricos do planeta a entoar ‘From the river to the sea, Palestine will be free’ ou, pior ainda, ‘gas the Jews’, e a pedirem a destruição de Israel (os que sabem que o estão a fazer)? Ou a ignorar ataques a famílias judias que se tornaram frequentes na Europa?

O argumento que usam é que não apoiam terroristas, apenas desejam a paz para o povo da Palestina. Mas esse argumento não convence porque a libertação dos reféns é uma condição necessária para que haja tréguas. Ora nenhum destes grupos critica os terroristas do Hamas nem exige que os reféns sejam libertados, confirmando que a paz não é a sua preocupação principal.

Então, qual será a razão para a não condenação de grupos terroristas e para o recrudescimento do anti-semitismo? As hipóteses serão várias e destaco três:

1 – O complexo de inferioridade perante um país poderoso que se manifesta pela vontade de o criticar. Na Europa isso sente-se face aos EUA, mas talvez por Israel ser seu aliado, “capitalista” e visto como o colonizador que “invadiu” e se instalou no território – em contraste com a pobreza e a fragilidade dos palestinianos “colonizados” – esta sensação de poderio seja reforçada.

A verdade é que Israel viveu desde a sua fundação rodeado de inimigos, e a sua força veio da necessidade de resistir durante 80 anos a contínuos ataques. Essa força deu-lhe capacidade de se desenvolver e ser hoje um Estado próspero e democrático, uma excepção em toda a região. Os contestatários de Israel, alguns dos quais usam a palavra democracia em cada 3 palavras que proferem, ignoram esta verdade. Mas como em ambos os lados do Atlântico existem manifestações anti-semitas, a “inferioridade” não serve para explicar tudo.

2 – O facto de Israel ser uma democracia torna-o vulnerável face à opinião pública internacional. Ao contrário de ditaduras como China, Cuba, Rússia ou em Gaza, onde há anos se cometem barbaridades impunemente, em Israel há imprensa livre e há oposição. Por isso os ataques de Israel estão sempre presentes na imprensa, tornando-os mais facilmente sujeitos a contestação. O facto de em 2023 terem decorrido 16 conflitos em todo o Mundo, todos ignorados pelos manifestantes, mostra que a visibilidade noticiosa é uma justificação para a contestação.

O destaque nas notícias não explica a razão para serem jovens com ‘keffiyehs’ os contestatários e as universidades o palco dessa contestação. Nas universidades deveria imperar o conhecimento, mas os manifestantes aliam a determinação nos protestos ao desconhecimento sobre a situação. São alunos nas melhores universidades do mundo e a sua incoerência é total: condenam o racismo, mas não o anti-semitismo; condenam a opressão de mulheres, mas não os palestinianos que as oprimem; condenam ataques a homossexuais, mas não os responsáveis que os permitem; condenam ataques aos que se dizem LGBT… , mas não os que os decapitam.

A junção de grupos “ambientalistas” à contestação também confirma a ideia de que o que está em causa não é a paz. O ambiente é muito mais estimado em Israel do que na Palestina ou em qualquer dos Estados vizinhos. Por isso a paz é um subterfúgio para que as “lutas” destes grupos tenham visibilidade: o anti-capitalismo, a imposição do igualitarismo, a criação do homem novo que se submete ao “ambientalismo responsável”, a manipulação da “justiça social”, etc.

3 – A mais preocupante de todas as hipóteses é a da legitimação do anti-semitismo. Após o holocausto, voltaram os ataques a famílias judias na Europa, especialmente em França, onde o anti-semitismo sempre esteve muito presente. Esses ataques nunca são condenados pelos movimentos que dizem ser pró-palestina e que entoam “from the river to the sea”, numa atitude que não é apenas de mau gosto. É de uma radical intolerância e de um profundo anti-semitismo.

Este anti-semitismo combina motivos mais antigos com razões mais recentes. Desde a expulsão de judeus, sendo mais conhecidos os casos de Espanha e, por arrasto, de Portugal, e dos “philosophes” fortemente anti-semitas, como Voltaire, até à continuação soviética da Revolução Francesa, onde a religião foi proibida e o ateísmo forçado até ao ponto de matar e expulsar judeus, e ao crescimento da população árabe na Europa, o ódio que sempre viu os judeus como a representação do capitalista ganancioso e usurário voltou a alimentar o anti-semitismo.

Repito aqui as palavras premonitórias de Voltaire a propósito dos judeus: “Eu não ficaria minimamente surpreendido se este povo não viesse um dia a tornar-se uma ameaça para a raça humana… Vós ultrapassastes todas as nações em fábulas impertinentes, em má conduta e em barbarismo. Merecem ser castigados, pois é esse o vosso destino”. E foram fortemente castigados no século XX. É muito preocupante que no Ocidente livre se estejam a criar condições para que voltem a sê-lo.

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