Onça de ouro já compra 65 barris de petróleo. OPEP+ perde força?

  • Paulo Monteiro Rosa
  • 10 Outubro 2025

Em termos reais (admitindo que o ouro mantém a sua constância de valor e é o dólar que desvaloriza), os países produtores de petróleo estão a receber cada vez menos.

Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, o preço do barril de petróleo, neste caso o WTI de Nova Iorque, conta também a história da evolução do dólar e da economia mundial, uma trilogia ainda hoje fundamental de dólar/petróleo/ouro. Durante cerca de 25 anos, o preço do petróleo manteve-se estável quando cotado em ouro, ou seja, cerca de 0,1 onças de ouro por barril, isto é, uma onça de ouro comprava 10 barris de petróleo. Essa estabilidade resultava diretamente do sistema de Bretton Woods, criado em 1944, que fixava o valor do dólar em 35 dólares por onça de ouro e ancorava o comércio internacional a essa paridade.

A partir da década de 1960, os défices comerciais persistentes dos EUA deveriam, em teoria, ter conduzido a uma desvalorização do dólar, mas essa perda de valor não se materializou devido ao padrão-ouro, que obrigava à convertibilidade do dólar em ouro e vice-versa. O resultado foi a gradual delapidação das reservas de ouro dos EUA, ou seja, os investidores vendiam ouro no mercado acima do preço oficial e recompravam-no à Reserva Federal a 35 dólares por onça, aproveitando a arbitragem garantida pela convertibilidade. Esta pressão tornou-se insustentável para os americanos e culminou, em agosto de 1971, na decisão unilateral dos EUA de suspender a conversão de dólares em ouro, ditando o colapso do sistema de Bretton Woods.

Em 1971, os produtores de petróleo recebiam 0,1 onças de ouro por barril (uma onça comprava 10 barris), mas, com o fim da convertibilidade e a liberalização do preço do ouro, o valor do metal amarelo triplicou em apenas dois anos. Essa valorização refletia a desvalorização do dólar que já se arrastava desde o início da década de 1960, ditada pelos sucessivos saldos comerciais negativos. Em 1973, os países produtores de petróleo recebiam apenas 0,029 onças de ouro por cada barril, ou seja, uma onça comprava já 34 barris de petróleo. Perante esta perda de poder de compra em dólares, e aproveitando o contexto da guerra israelo-árabe de Yom Kippur, em outubro de 1973, os países árabes, que dominavam a produção mundial de petróleo, decidiram quadruplicar o preço do crude em dólares, de forma a restaurar a remuneração em ouro que haviam perdido. Foi o primeiro grande choque petrolífero, que evidenciou a força dos produtores árabes e o impacto global da dependência energética, sobretudo do Ocidente.

Situação semelhante voltaria a ocorrer em 1979, com o segundo choque petrolífero da década. A partir daí, nas décadas seguintes, a OPEP consolidou-se como o cartel determinante no mercado mundial. No entanto, nos últimos 15 anos, e com a perda de algum poder negocial, a Rússia e outros produtores juntaram-se à OPEP, dando origem à OPEP+, um esforço de coordenação mais amplo, numa altura em que os EUA, impulsionados pela revolução do shale oil, se tornaram autossuficientes em petróleo, respondendo por 20% da produção e do consumo globais — quando, na década de 1970, produziam apenas metade das suas necessidades.

Durante a pandemia de 2020, o mercado do petróleo viveu um episódio sem precedentes. O distanciamento ditou a paralisação da economia global e a queda abrupta da procura, e o preço do WTI, a 20 de abril, chegou a ser negativo, porque não havia capacidade de armazenamento em Cushing. Em ouro, o valor do barril desceu para apenas 0,01 onça — o nível mais baixo desde que há registo — ou seja, uma onça de ouro comprava 100 barris de petróleo (0,3 gramas de ouro adquiriam um barril). Em resposta, a OPEP+ mostrou o seu poder e reduziu fortemente a produção, o que permitiu estabilizar os preços e recuperar parte das receitas perdidas.

Atualmente, o barril de WTI cota a 62 dólares, um valor que reflete tanto a desaceleração económica global como o aumento da produção dos países da OPEP+, mas também a política da administração Trump de favorecer os combustíveis fósseis e reforçar a independência energética dos EUA. Todavia, em ouro, o valor do petróleo está historicamente baixo — apenas 0,016 onças por barril — o que significa que uma onça compra mais de 60 barris (um grama de ouro compra cerca de dois barris). Ou seja, em termos reais (admitindo que o ouro mantém a sua constância de valor e é o dólar que desvaloriza), os países produtores de petróleo estão a receber cada vez menos.

Esta evolução pode ser interpretada como um sinal de fraqueza e perda de poder negocial dos produtores, que, ao contrário do que aconteceu após o colapso de Bretton Woods, quando conseguiram reajustar os preços para compensar a desvalorização do dólar, hoje parecem aceitar uma remuneração real menor. Ainda assim, muitos destes países têm procurado proteger-se dessa perda de poder reforçando as suas reservas de ouro, beneficiando da valorização do metal. Este movimento intensificou-se após a invasão da Ucrânia pela Rússia e o congelamento dos seus ativos ocidentais, sobretudo em dólares, levando várias economias emergentes — como a China, que detém mais de 3,5 biliões de dólares em reservas financeiras — a diversificar os seus ativos e a aumentar o peso do ouro nas suas reservas.

Enquanto os EUA e a Alemanha têm entre 70% e 80% das suas reservas em ouro, a China mantém ainda menos de 10%, mas tem vindo a aumentá-las rapidamente, precisamente porque o ouro não pode ser confiscado nem imprimido. Assim, o regresso do ouro ao centro das estratégias monetárias das potências emergentes coincide com um período de debilidade relativa dos produtores de petróleo em termos reais.

Em 1971, uma onça de ouro comprava 10 barris de petróleo, mas hoje compra 65. O preço nominal do crude pode variar com a conjuntura, mas, em termos de valor real medido em ouro, o poder dos produtores de petróleo tem diminuído significativamente — sobretudo em 2025.

 

  • Paulo Monteiro Rosa
  • Economista Sénior, Banco Carregosa

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