
Orçamento do Estado: mais do que a soma das partes
O OE2026 tem de ser mais do que a simples soma de medidas isoladas. Não podemos continuar a empilhar iniciativas avulsas para responder a ciclos eleitorais, adiando reformas estruturais.
Portugal tem vindo a registar, nos últimos anos, progressos na consolidação das contas públicas e na redução do rácio da dívida. Contudo, continua sem responder a uma questão fundamental: como crescer de forma sustentável? Apesar da disciplina orçamental, a economia portuguesa mantém-se bloqueada por entraves estruturais — baixa produtividade, fiscalidade penalizadora, um tecido empresarial dominado por micro e pequenas empresas, rigidez no mercado de trabalho e uma administração pública ainda lenta nos processos decisórios que afetam diretamente as empresas.
Num contexto internacional instável e cada vez mais competitivo, Portugal não se pode manter dependente de orçamentos de curto prazo, moldados por ciclos eleitorais. O Orçamento do Estado para 2026 (OE2026) deve romper com a lógica da “manta de retalhos” e afirmar-se como um verdadeiro instrumento estratégico de transformação económica, orientado para o desenvolvimento sustentável do país.
Segundo dados recentes, Portugal manteve-se, em 2024, no 18.º lugar entre os países da União Europeia em termos de PIB per capita em paridade de poder de compra (PPC). Apesar de uma ligeira subida no índice, de 81 para 82 (sendo 100 a média da UE), o país continua entre os dez com o PIB per capita mais baixo do bloco europeu.
Portugal mantém uma das cargas fiscais mais elevadas da OCDE, especialmente sobre empresas e trabalho, num sistema complexo que afasta investimento e dificulta o crescimento. Se queremos atrair capital e talento, é imperativo tornar o sistema fiscal mais previsível e competitivo, com uma redução progressiva do IRC ao longo de quatro anos, garantindo estabilidade fiscal e aliviando os custos das empresas, que enfrentam concorrência à escala global.
A rigidez do mercado de trabalho limita a capacidade das empresas para se adaptarem às dinâmicas globais. Torna-se urgente promover uma flexibilização responsável da legislação laboral — que não deve ser confundida com precariedade — especialmente na gestão de horários e equipas, para aumentar a eficiência e promover um mercado de trabalho mais dinâmico e inclusivo. Portugal está entre os países da União Europeia com um dos custos de despedimento mais elevados, pelo que é essencial reduzir os custos não salariais associados à reestruturação laboral, ao mesmo tempo que se reforçam políticas ativas e mecanismos de proteção no desemprego, facilitando assim a realocação eficiente dos trabalhadores.
No que diz respeito aos mais jovens, especialmente aos mais qualificados, há uma procura não só por salários mais elevados, mas também por projetos que valorizem as suas competências. Muitos acabam por emigrar ou aceitar empregos abaixo das suas qualificações, resultando numa perda irreparável de talento e de investimento público. Para atrair e reter este capital humano, Portugal precisa de grandes empresas, particularmente em setores de elevado valor acrescentado, capazes de oferecer carreiras estimulantes e oportunidades reais de desenvolvimento profissional.
Também a baixa produtividade nacional está relacionada, em parte, com uma excessiva predominância de micro e pequenas empresas, que enfrentam maiores dificuldades em promover inovação ou em entrar em novos mercados devido aos elevados custos envolvidos. O OE2026 deve incentivar a capitalização das PME, com isenção fiscal sobre a distribuição de lucros para as que se recapitalizem, apoiar fontes alternativas de financiamento e simplificar os processos de fusão e aquisição, de modo a criar um tecido empresarial mais robusto e competitivo. Simultaneamente, deve continuar a promover a internacionalização das empresas como forma de diversificação do risco e de crescimento sustentável.
Paralelamente, é essencial reforçar a ligação entre empresas, universidades e centros de investigação, promovendo redes de colaboração tecnológica que acelerem a inovação e o valor acrescentado. Os projetos em regime de consórcio são um bom exemplo deste ganho, permitindo o crescimento de startups e pequenas empresas com o apoio de organizações de maior dimensão e instituições de ensino superior.
A reindustrialização do país e a atração de investimento direto estrangeiro (IDE) são igualmente decisivas — e interligadas —, pois a reindustrialização exigirá IDE muito significativo e empresas com know-how tecnológico em áreas de ponta. O OE2026 deve incluir incentivos à instalação de projetos industriais com elevado efeito multiplicador, como giga fábricas nos setores dos semicondutores, baterias, inteligência artificial (IA), defesa, mobilidade ou aeroespacial — áreas estratégicas para a economia do futuro (sem esquecer os setores tradicionais, que devem ser apoiados na inovação e, em alguns casos, na transformação, essencial para a sua sobrevivência).
Captar grandes investimentos é imperativo. Estes ancoram cadeias de valor, atraem qualificação e pagam salários mais elevados. O orçamento deve prever pacotes de atração competitivos, “à prova de comparação internacional”. Estes investimentos geram emprego qualificado, aumentam as exportações e transferem conhecimento, contribuindo decisivamente para a modernização da economia e para a redução das assimetrias regionais — desde que existam políticas de discriminação positiva para projetos localizados em zonas de baixa densidade populacional.
A sustentabilidade ambiental constitui um dos pilares essenciais da competitividade futura. O Orçamento deve alinhar a estratégia de reindustrialização com os objetivos da neutralidade carbónica e da economia circular, promovendo investimentos que respeitem o ambiente e garantam resiliência face a choques climáticos. Esta visão verde deve estar integrada de forma transversal em todas as políticas económicas, refletindo os compromissos internacionais e tirando partido das oportunidades oferecidas pelas novas tecnologias sustentáveis. Reconhece-se, contudo, que esta transição implica custos e períodos de adaptação por parte das empresas, aspetos que devem ser devidamente considerados pelo Orçamento do Estado.
Não queremos repetir o exemplo do setor automóvel europeu, onde os prazos apertados da transição verde têm vindo a comprometer a competitividade face a outros blocos económicos. É fundamental encontrar um equilíbrio entre a ambição ambiental e o pragmatismo económico, de modo a garantir uma transição justa e eficaz.
Apesar dos avanços, sobretudo na digitalização dos serviços, a administração pública continua a necessitar de uma modernização estrutural. O OE2026 deve promover uma gestão mais flexível dos recursos humanos, com mobilidade entre serviços, valorização do mérito e da formação contínua. A modernização deve ser organizacional e estrutural, e não apenas digital, para garantir maior eficiência e rapidez na resposta às necessidades dos cidadãos e das empresas.
Outro pilar fundamental é a promoção da literacia digital e o incentivo ao uso da IA nas empresas e na administração pública. A adoção responsável destas tecnologias pode aumentar a produtividade, reduzir custos e melhorar serviços, mas exige investimento em formação, cultura digital e regulação eficaz, com supervisão humana e transparência.
O OE2026 tem de ser mais do que a simples soma de medidas isoladas. Não podemos continuar a empilhar iniciativas avulsas para satisfazer interesses pontuais ou responder a ciclos eleitorais, adiando sucessivamente as reformas estruturais de que o país precisa. Este Orçamento deve ser a chave para desbloquear o verdadeiro potencial de Portugal, reformando com coragem, investindo com critério e preparando o país para uma economia moderna, de elevado valor acrescentado, mais justa e verdadeiramente sustentável.
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