Os Cônjuges

Enquanto a participação do cônjuge no foro acionista de empresas familiares é de facto vedada, a participação no corpo executivo pode e deve estar aberta em função do mérito profissional do cônjuge

Marta está casada com Pedro há 25 anos. Pedro é um acionista relevante e como primogénito herdou do Pai a Presidência do Grupo cujo capital partilha com os seus irmãos e irmãs. Apesar da forte personalidade típica de empresário, o Pai não obstou a que Pedro casasse em comunhão de bens absoluta – mas arrependeu-se quando se apercebeu de que Marta se metia demasiado no negócio, era uma forte advogada e dominava o marido.

Para se corrigir assegurou que os outros filhos casassem com separação de bens, mas o mal estava feito. Com a morte do Pai, um dos irmãos coloca as ações à venda, Pedro e Marta vencem o leilão e toram-se maioritários. Ao mesmo tempo, Pedro assume a liderança e Marta pede-lhe um lugar no Conselho com poderes fortes no negócio – afinal, tinha direito a metade dos votos do marido. A família insurge-se mas Marta berra mais alto e assume o lugar. O ambiente, o moral e a capacidade de Pedro e o desempenho da empresa vão-se deteriorando. Os acionistas restantes, desanimados, só querem sair do filme. Propõem a Pedro ficar com as suas posições e Marta consegue comprá-las a um ótimo preço.

Agora na posse da totalidade do capital, Marta e Pedro são os donos do Grupo e Marta acha que é altura de contratar um CEO profissional para recuperar o Grupo, Pedro não quer, mas ela avança na mesma. Não tem filhos para continuar a linhagem e recuperar o Grupo e ao contrário do resto da Família a preservação do legado não lhe diz nada. Após uma recuperação brilhante pelo novo CEO de fora, Marta convence Pedro a sair do negócio. O Grupo é vendido a uma capital de risco com um mais valia considerável garantindo a Marta um fundo confortável para o resto da vida – com ou sem Pedro.

Esta história evidencia um dos maiores terrores de qualquer Grupo Empresarial Familiar: Existir alguma nesga de acesso de cônjuges ao capital do Grupo e, em vários casos, mesmo a posições executivas de topo. De facto, a montagem de barreiras eficazes aos conjunges separando matrimónio e propriedade é um dos pilares de qualquer Protocolo de Família a nível nacional ou internacional, assumindo normalmente uma forma extremamente assertiva como o ilustra o texto de um Protocolo preparado pela ARBORIS recentemente para um Grupo nacional :

  • A Família entende que o núcleo acionista do Grupo está exclusivamente reservado aos seus membros de linhagem (i.e, com relação de parentesco direto de sangue). Como tal, devem ser asseguradas as medidas necessárias por parte de cada membro do Conselho de Família para que nenhuma pessoa que não seja um membro de linhagem da Família possa ter de forma alguma direito a propriedade de ações do Grupo em qualquer momento ou circunstância futura. Cabe ao Conselho de Família obrigar cada um dos seus membros à formalização de um acordo de casamento ou coabitação após o casamento, de modo a que, na máxima medida aplicável pela legislação pertinente, em caso de separação, as ações do Grupo não integrem os bens a dividir pelas partes em separação (…)

Em 2020, a Harvard Business Review decidiu escrutinar se este dogma faria sentido, se de facto a separação draconiana entre matrimónio e negócio era a melhor solução para um grupo empresarial familiar.

Considera a HBR que a separação do trabalho e da casa e do negócio e do amor não é um assunto fácil. Como por princípio a escolha do cônjuge é do futuro esposo ou esposa e não tem nada a ver com o negócio. Daí que se conclua que de facto uma política que estabeleça a separação entre cônjuges e foro acionista e, mesmo, foro executivo seja recomendável porque estabelece regras e expectativas claras. Esta política pode igualmente prevenir fricções entre membros da família em consanguinidade e cônjuges, que não têm necessariamente o mesmo sentido de grupo, os mesmos valores partilhados, o mesmo conhecimento ou a mesma paixão pelo negócio. E naturalmente que esta política mitiga os enormes riscos que se colocam em caso de divórcio.

Mas claro que esta regra draconiana, em alguns casos, pode pagar um preço. A atração de um jovem da geração seguinte com um futuro promissor no Grupo pode ser dificultada se o regresso do casal enfrentar dificuldades derivadas de encontrar uma posição profissional adequada para o seu cônjuge, passível de ser resolvida com uma passagem no Grupo. Ou se o cônjuge tem uma carreira de alto calibre e poderia ter imenso interesse atraí-lo/a para o Grupo, mas não se pode fazer isso devido à política estabelecida.

Por estas razões, temos observado que enquanto de facto se coloca uma barreira de betão aos cônjuges no acesso a capital, já no acesso a posições executiva no Grupo a política é em geral aberta, mas obviamente aplicada com grande rigor. Um cônjuge numa posição executiva implica naturalmente um processo de recrutamento altamente profissional e condições em tudo equivalentes se se tratasse de um profissional externo – ou de um membro da família para todos os efeitos. Caso contrário, tal como o onboarding de familiares menos competentes, o clima organizacional do Grupo e a própria pessoa sairiam afetados mais tarde ou mais cedo.

Em conclusão, cada caso deve ser avaliado por si próprio, mas as melhores práticas de Grupos Empresariais Familiares evidencia uma política comum – enquanto a participação do cônjuge no foro acionista é de facto vedada, a participação no corpo executivo pode e deve estar aberta em função do mérito profissional do cônjuge e do bom senso quer da sua futura cadeia hierárquica, quer do membro da família que é seu esposo ou esposa.

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