Os custos da ignorância em Portugal (I)
Há factores relevantes que provocam o mau funcionamento do sistema de preços. Um deles é a burocracia sob a forma de leis, regras e normas.
O artigo da passada semana abordou os custos originados pelos entraves ao conhecimento no funcionamento da economia. A intuição é que o sistema de preços funciona como um transmissor de informação e o seu mau funcionamento reduz o conhecimento ou aumenta a ignorância dos agentes económicos quando tomam decisões, prejudicando o desenvolvimento económico (pode ler aqui).
Há três factores relevantes que provocam o mau funcionamento do sistema de preços. São eles a burocracia excessiva sob a forma de leis, regras e normas, as falhas de governo e os elevados impostos. Este artigo aborda o primeiro no que se refere à sociedade portuguesa.
Os custos para a sociedade desta ignorância são difíceis de calcular, e é por haver essa dificuldade que não são evidentes e acabam por passar despercebidos para a generalidade da população. Mas esses custos são muito significativos e ajudam a explicar a estagnação económica em que vive Portugal pelos recursos que são desperdiçados em decisões deficientes ou erradas provocadas pelo excesso de burocracia.
Este é um problema muito grave na sociedade portuguesa. Uma pequena parte desses custos pode ser estimada com facilidade, mas esta estimativa acaba por “desvalorizar” a sua real dimensão. No caso português, um dos factores que contribuiu para o aumento desmesurado da despesa pública verificado nos últimos 7 anos foi a criação de empregos públicos. No total foram, em termos líquidos, mais de 80 mil novos funcionários, o que em conjunto com aumentos salariais significa que houve um aumento permanente da despesa anual desde 2015 de cerca de 7 mil milhões de euros (considerando os valores do OE para 2023).
Perante este aumento de despesa a pergunta imediata é o que é que mudou no Estado português que a justifique? Na realidade, muito pouco. Há duas razões para a criação destes empregos, mas nenhuma delas está relacionada com a necessidade de os serviços públicos funcionarem melhor (o Estado não consegue assegurar a contratação de médicos ou de polícias, por exemplo, que parece ser urgente). A primeira razão é política e visa consolidar a base de apoio do governo. A segunda, a que interessa para este artigo, é a burocracia excessiva que asfixia a sociedade portuguesa em regras e normas com origem na legislação nacional e da UE, e que continuamente se auto-alimenta, prosseguindo, imparável, na sua voragem devoradora de recursos e de riqueza.
Os carros têm de ter vários papeis pendurados no para-brisas, as lojas têm de ter diferentes papéis com horários ou com licenças para passar música, as empresas têm de ter papéis para tudo e mais alguma coisa, e até as casas de banho têm de ter papeis com as limpezas. Sabemos agora que os tribunais não têm papel para imprimir os processos e os mandatos que a lei obriga que sejam impressos, atrasando ainda mais o já caótico sistema de justiça em Portugal, que não funciona e não condena aqueles que deveriam estar atrás das grades, como acontece com alguns políticos.
Os excessos do funcionamento administrativo-burocrático são fáceis de entender, mas difíceis de desmantelar. Toda a nova legislação requer que o Estado receba mais recursos e isso implica o aumento dos custos de funcionamento das empresas pelos gastos adicionais que são necessários para a cumprir, e o consequente aumento dos preços para o cobrir, e dos encargos das famílias para financiar o aumento de impostos requerido pelo alargamento do Estado.
Um exemplo simples é o uso desnecessário de papel. Os carros têm de ter vários papeis pendurados no para-brisas, as lojas têm de ter diferentes papéis com horários ou com licenças para passar música, as empresas têm de ter papéis para tudo e mais alguma coisa, e até as casas de banho têm de ter papeis com as limpezas. Sabemos agora que os tribunais não têm papel para imprimir os processos e os mandatos que a lei obriga que sejam impressos, atrasando ainda mais o já caótico sistema de justiça em Portugal, que não funciona e não condena aqueles que deveriam estar atrás das grades, como acontece com alguns políticos.
Porque é que isto acontece? Porque vivemos num activismo legislativo em que o legislador não se centra em princípios, mas acha que sabe mais do que todos os outros e que tem de definir exactamente o que é que cada um de nós deve fazer. Esta cultura burocrático-dirigista que impera em Portugal leva a que a lei explicite que os tribunais tenham de imprimir alguns documentos em papel (não podem ser comunicados de outra forma) e como a despesa para comprar papel requer autorização superior, não o conseguem fazer.
Note-se o preciosismo do legislador que em vez de estabelecer os princípios necessários para abordar a questão, dá ordens directas de como deve ser resolvida, e note-se a mentalidade burocrática de juízes e funcionários de tribunais que seguem à letra o que está na lei, mesmo quando isso é totalmente irrelevante para o assunto em concreto. Não o fazem só por terem espírito burocrata, fazem-no também porque há advogados que se aproveitam desta mentalidade para atrasar ou anular processos com base em minudências administrativas.
Poderá pensar-se que isto é apenas um caso isolado que não provocará grandes problemas aos agentes económicos e ao funcionamento dos mercados. Mas pense-se em duas dezenas de ministérios e mais duas centenas de deputados cuja razão de ser e cujo trabalho é valorizado positivamente pela comunicação social pela quantidade de legislação que produzem.
E isto apenas a nível do país. Se juntarmos o nível local, onde as competências estão a aumentar, com o nível regional, onde as competências já são muito alargadas, e com o nível internacional, a começar pelas mais de 700 mil folhas com normas emitidas por Bruxelas que o legislador português ainda agrava com a sua transposição e a acabar na profusão de tratados internacionais, percebemos como funciona este mecanismo de criação de entraves para as empresas que provocam a redução do conhecimento que o sistema de preços é suposto transmitir.
Uma pequena parte desta legislação é necessária para que a economia funcione melhor, mas a sua grande maioria não é. E não só não é necessária como perdura ao longo dos anos, mesmo que tenha sido implementada de forma temporária. Basta considerar dois exemplos de “terrorismo” legislativo como são as normas ambientais e as de habitação.
O circuito que leva à burocracia excessiva e à absorção exagerada de recursos pode ser facilmente descrito. O governo começa por contratar pessoas para alargar o âmbito da sua actividade e produzir e implementar legislação. A nova legislação obriga as empresas e as famílias a mudarem as suas práticas e a usarem mais recursos para cumprirem as novas leis. O governo mobiliza então mais recursos para fiscalizar e garantir a aplicação da legislação implementada. Essa maior necessidade de recursos requer a criação de novos impostos ou o aumento dos existentes para financiar o funcionamento do Estado. Mas o maior nível de impostos requer mais funcionários para fiscalizar e garantir o seu pagamento, e por isso observamos há muito anos a “engorda” da Autoridade Tributária em que o número de colaboradores continua a aumentar apesar da digitalização de muitos processos. E mais funcionários, por sua vez, requerem mais impostos para o pagamento dos seus salários.
Para culminar todo este processo, o governo criou ainda uma unidade de avaliação de políticas públicas que rapidamente se transformou em mais uma fonte de burocracia, pois foi necessário criar legislação para a sua existência e aplicar mais recursos no seu funcionamento, mas do qual nada resulta em termos de simplificação administrativa. Um outro recurso que se tornou desnecessário é a Cresap, que produz relatórios burocráticos para justificar a escolha de dirigentes da administração pública que os governantes fazem por critério de simpatia pessoal e político-partidária.
Mas, infelizmente, a história não acaba aqui e a espiral de despesa e de impostos continua a aprofundar-se e a reduzir o poder de compra das famílias e a retirar capital de que as empresas necessitam para investir.
Para compensar toda esta burocracia, capitalizar as empresas e apoiar as famílias, o governo cria múltiplos programas de apoio à habitação, ao investimento, à digitalização, à transição energética, ao ambiente e em inúmeras outras áreas, financiados pelo orçamento de estado e por fundos da UE. A criação destes programas deve-se em muitos casos ao mau funcionamento dos mercados provocado por intervenção excessiva (por exemplo, na habitação), mas a sua gestão obriga à existência de mais recursos, que por sua vez “exigem” mais impostos, e que por sua vez “depenam” ainda mais famílias e empresas.
Para compensar toda esta burocracia, capitalizar as empresas e apoiar as famílias, o governo cria múltiplos programas de apoio à habitação, ao investimento, à digitalização, à transição energética, ao ambiente e em inúmeras outras áreas, financiados pelo orçamento de estado e por fundos da UE. A criação destes programas deve-se em muitos casos ao mau funcionamento dos mercados provocado por intervenção excessiva (por exemplo, na habitação), mas a sua gestão obriga à existência de mais recursos, que por sua vez “exigem” mais impostos, e que por sua vez “depenam” ainda mais famílias e empresas.
Note-se o efeito que todo este emaranhado administrativo tem no funcionamento da sociedade e dos mercados. Todos estes custos da burocracia são reflectidos nas contas das empresas, levando a um aumento dos preços acima do que seria economicamente razoável. Há alguns anos foi feito um inquérito extensivo às PME italianas em que os custos para lidar com a burocracia eram apontados como o principal obstáculo ao seu funcionamento. Desde essa altura a situação só piorou em Itália, país que tem o mesmo problema de estagnação económica de Portugal.
Para além disso, esta distorção provocada pela burocracia excessiva afecta os sectores de forma diferente, alterando os preços relativos e as decisões de consumo e de investimento, e agravando ainda mais os problemas causados, pois o que economicamente é mais barato torna-se comparativamente mais caro pela maior carga administrativa, e vice-versa. A ignorância dos agentes económicos cresce ainda mais e as decisões tomadas são ainda mais deficientes, com custos crescentes para o país em termos de atraso no desenvolvimento.
Uma solução para este problema seria uma auditoria externa detalhada a todos os serviços. Infelizmente não há vontade política para implementar as suas eventuais recomendações, especialmente de um governo que se apoia na criação de dependência para garantir votos. Por esse motivo, a burocracia excessiva é uma das causas do mau funcionamento do sistema de preços. Mas é apenas uma. As outras duas, as falhas de governo e os elevados impostos, são igualmente importantes e prejudiciais, e serão abordadas em próximos artigos.
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