Os elevados custos da ignorância

As pessoas optam pela ignorância quando se desinteressam pelo que se passa fora do seu “mundo” e facilmente aceitam o que lhes é dito pelos beneficiários da centralização.

Hoje fala-se muito do conhecimento como sendo essencial a uma sociedade, usando-se esse argumento para justificar mais licenciados e licenciaturas, mesmo em áreas que não têm qualquer base científica autónoma, mas apenas aplicam conhecimento da ciência adquirido noutros campos. Quer-se mais pessoas com formação superior como se isso fosse uma garantia de que o conhecimento é por isso bem aplicado. No canto da ignorância ficam os licenciados que estão a trabalhar em áreas completamente distintas dos seus estudos, sem aproveitar o conhecimento que adquiriram, os que emigraram, aplicando os seus conhecimentos em outros países, ou ainda os que têm conhecimento adquirido de uma prática de muitos anos, que aquela visão institucionalizada pura e simplesmente ignora.

A aplicação do conhecimento em sociedade

A aplicação do conhecimento efectivo (e não dos cursos universitários) é um tema essencial para países com a economia estagnada e a sua importância foi abordada por Friedrich von Hayek em “The Use of Knowledge in Society”, publicado em 1945, no final da II Guerra Mundial. A sua interrogação de partida foi perceber como é que o conhecimento é adquirido pelas pessoas e, depois, como é que este conhecimento disperso por todos os indivíduos da sociedade pode ser aplicado para benefício do bem comum.

As respostas de Hayek a estas duas questões são claras. Numa economia de mercado, o conhecimento é transmitido aos decisores por diversas formas, mas há uma que é suficientemente célere e abrangente para ser recebida por todos os membros da sociedade: o sistema de preços. Hayek apresenta os preços como sinais informativos essenciais para o funcionamento da economia, pois veiculam informação de uma forma simples para os agentes económicos poderem tomar decisões racionais e fundamentadas.

Se o sistema de preços não funcionar ou estiver “armadilhado”, a informação não circula e as decisões são tomadas com menos conhecimento, prejudicando o bem comum. É isto que acontece actualmente nas economias desenvolvidas. As distorções introduzidas pelos elevados impostos, pelos requisitos administrativos excessivos e pelas políticas erradas de intervenção nos mercados, como a política monetária dos últimos anos que provocou a actual inflação, estão a destruir este mecanismo transmissor de informação e estão a condicionar fortemente decisões que deveriam ser baseadas no conhecimento. A consequência natural desta promoção involuntária da ignorância é o reforço da estagnação económica que atravessamos.

A segunda resposta, directamente relacionada com a primeira, é que das três formas de aplicação do conhecimento – planeamento centralizado num grupo restrito de pessoas, planeamento descentralizado por muitas pessoas separadas, i.e., a concorrência, ou a que está no meio das outras duas, a delegação do planeamento para indústrias organizadas, i.e., o monopólio corporativo – a segunda é claramente a que mais beneficia o bem comum.

Para chegar a esta conclusão, Hayek considerou que o planeamento descentralizado é a forma que permite o uso mais completo do conhecimento existente numa sociedade precisamente porque recorre a todos os detentores de conhecimento e não apenas a alguns. A sua solução para haver uma melhor utilização de mais conhecimento resulta da valorização das “interacções entre pessoas que apenas possuem um conhecimento parcial”, como acontece em todas as sociedades. Assumir que todo o conhecimento pode ser dado a uma única mente, ou a um conjunto restrito de pessoas, como acontece nas sociedades centralizadas, é desconsiderar a quase totalidade do que é importante e significativo no mundo real.

A superioridade do planeamento descentralizado

A prova de que Hayek estava certo é que foi o planeamento descentralizado por muitas pessoas separadas, i.e., a concorrência, que trouxe a abundância às sociedades desenvolvidas. Infelizmente, a descentralização das sociedades é ciclicamente posta em causa por políticos sedentos pela concentração de poder e está hoje novamente em causa, tendo reforçado a tendência para a estagnação que ocorre nas sociedades desenvolvidas.

No passado foi posta em causa nos anos 1970 e conduziu à estagflação, esteve em causa nos anos 1920 e 1930, conduzindo à destruição da Europa e trazendo os excessos pouco conhecidos do new deal nos EUA (desperdício de recursos, preços administrativos, impostos regressivos, nepotismo e “patrocínios” para protegidos e para “comprar” votos).

Apesar de a História estar cheia de exemplos que demonstram a superioridade prática do planeamento descentralizado, a ignorância continua a impedir que as pessoas o vejam claramente e faz com que continuem a acreditar que existem uns “eleitos” que podem assimilar todo o conhecimento e tomar melhores decisões em nosso nome. Mas o conhecimento está disperso por todos os indivíduos da sociedade e por isso nunca poderá ser concentrado em poucos decisores que tudo dominem (a excepção a esta regra será o Criador).

O planeamento centralizado num grupo restrito de pessoas teve e ainda tem resultados catastróficos nos países socialistas. Basta pensar na Rússia soviética, na China maoista, no Camboja, no Vietname, na Albânia, na Venezuela, em Cuba, nas ex-colónias portuguesas de África ou ainda, em menor grau, na generalidade dos países da América Latina sempre que se voltam para o socialismo, como agora acontece no Brasil com a eleição de um populista corrupto. A forma de funcionamento da economia soviética foi paradigmática: os objectivos quinquenais eram sempre alcançados no papel, ou o seu responsável iria para a Sibéria ou para fuzilamento por “boicotar a revolução”, mas os bens produzidos nunca existiam na sua totalidade, pelo que desses objectivos resultava sempre uma produção muito menor da que era relatada. A consequência das ditaduras socialistas foi e será sempre a mesma: a escassez de bens e a pobreza generalizada.

É verdade que o planeamento centralizado pode funcionar em algumas as situações. Se o seu objectivo for suficientemente simples de alcançar pode ser muito eficaz, como o mostram as dezenas de milhões de mortos que provocadas pelo trio “maravilha” Lenine-Trotsky-Estaline na Rússia socialista, um dos “melhores” exemplos de planeamento central na história da humanidade, ou o extermínio organizado de 4 milhões de judeus por Hitler e seus acólitos. Mas para o funcionamento de uma economia está provado que não serve.

A outra forma de aplicação do conhecimento, a delegação do planeamento para indústrias organizadas, i.e., o monopólio corporativo (não implica apenas uma empresa mas a coordenação das existentes), esteve presente no Estado Novo em Portugal, quando a economia estava organizada por sectores de produção, e está também agora a ser implementada em locais tão diferentes como a China ou a União Europeia, ainda que com nuances significativas entre as duas e numa convergência com origem em polos opostos. A China caminhou de um modelo centralizado para a delegação em indústrias e a UE parte de uma economia de mercado e caminha para a tentativa de organização centralizada de indústrias. Esta convergência pode espantar muitas almas, mas se recolherem alguma informação pormenorizada e pensarem um pouco chegarão a esta conclusão.

Há quem não perceba que a China não é uma economia de mercado, assim como o Estado Novo também não era. Numa sociedade onde não há liberdade, não pode haver economias de mercado, como Adam Smith bem pressupôs.

Na China não se pode mudar de casa ou de emprego, nem se pode visitar a família noutra região sem autorização do partido, não se pode desenvolver um negócio se puser em causa o poder comunista e a localização da produção é organizada a partir do centro, que a distribui regionalmente. Isto demonstra que a China não é uma economia de mercado apesar das reformas de Deng Xiaoping terem introduzido alguma liberalização no funcionamento da sociedade, nomeadamente em zonas especiais, e a terem aproximado do modelo intermédio. Mas o monopólio do poder económico em todas as indústrias continua nas mãos do partido, como bem o sabem os empresários desaparecidos e os trabalhadores acantonados. Chamar a isto uma economia de mercado é uma boutade.

A União Europeia faz o caminho inverso ao da China enquanto se apresenta como defensora do mercado único e da concorrência. Ao contrário da China, é um espaço onde há liberdade e predomina a economia de mercado, mas a evolução recente tem sido de afastamento face a este modelo descentralizado. A razão é a tentativa de centralização de poder que a Comissão Europeia (CE) ferozmente persegue através da implementação de uma política industrial que escolhe áreas de especialização e empresas campeãs (como já expus aqui e aqui).

Para isso, a CE criou instrumentos como os projetos de “interesse europeu comum”, no jargão comunitário, faz anúncios de que vai transformar a UE em líder nos vários mercados globais, gere uma profusão de fundos e programas com subsídios para todas as empresas, anuncia a fixação de preços, aprova “auxílios estatais” nos mais variados sectores ou entrega antecipadamente informação sobre os programas para beneficiar as grandes empresas francesas ou alemãs. Ou seja, introduz constantemente distorções e limitações à transmissão do conhecimento através do sistema de preços que deveria vigorar no mercado único e por essa via dá um contributo consistente para a ignorância dos agentes económicos.

Em suma, se aceitarmos a premissa de que as decisões tomadas com mais conhecimento são as que mais contribuem para o bem comum, facilmente percebemos como a centralização é prejudicial e está condenada ao fracasso. O problema é que as pessoas optam pela ignorância quando se desinteressam pelo que se passa fora do seu “mundo” e facilmente aceitam o que lhes é dito pelos beneficiários da centralização. Só dão importância a alguns sinais que recebem, como acontece agora com a rápida subida dos preços e a degradação das condições de vida provocada por essa mesma centralização. Quando é isto que se passa os custos da ignorância tornam-se demasiado elevados e já é tarde demais para os evitar.

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