Passos Coelho tem MEL
A direita não saiu endireitada da convenção das direitas. Continua sem uma tática e ideias claras para voltar ao poder, permanece desunida e o único líder federador que reconhece não está no ativo.
O grande protagonista da terceira convenção do Movimento Europa e Liberdade (MEL) não precisou de subir ao palco. Bastou-lhe estar presente. Mesmo sem falar foi ovacionado como nenhum outro. Bastava mencionar o antigo primeiro-ministro para qualquer orador conseguir uma sonora salva de palmas.
Os momentos de maior frisson foram a chegada de Passos Coelho à convenção ou os seus breves encontros com Paulo Portas – que incluiu uma reunião numa sala privada – ou com os líderes partidários que marcaram presença. E que fizeram, quase todos, questão de fazer um cumprimento especial ao antigo presidente do PSD antes de botarem palavra.
Diogo Agostinho, diretor executivo do semanário Novo, assinalou na sua intervenção que o último grande líder que a direita teve estava sentado na plateia. A frase é certeira, a sala reagiu como um órfão que reencontra o pai afinal vivo. “Só estamos aqui hoje a falar de convergência porque Pedro Passos Coelho deixou de ser líder do PSD”, atiraria Miguel Pinto Luz.
Isto acontece porque Rui Rio não preenche o vazio. Voltou a acontecer ontem na sala do Centro de Congressos de Lisboa. O discurso do presidente do PSD a encerrar a convenção, que devia ter sido o clímax, foi o exato oposto.
“Para combater a esquerda, precisamos de uma direita forte. Não de uma obsessão pelo centro, que a desvirtua por ser uma ideologia de fachada e que faz fretes ao PS”, dissera Francisco Rodrigues dos Santos na sua intervenção. Antes já João Cotrim de Figueiredo tinha criticado Rui Rio por ajudar António Costa a acabar com os debates quinzenais e por alinhar na nacionalização do Novo Banco ao lado do Bloco de Esquerda e do PCP.
Rui Rio desapontou ambos. Começou o discurso a congratular o facto de aquele não ser um “congresso das direitas” porque senão teria de ficar à porta. Citou até uma conversa com Pinto Balsemão que lhe lembrou que o PSD quando nasceu era de centro-esquerda, embora depois se tenha deslocado mais para o centro. Não é “um partido de direita”, sentenciou.
Depois diagnosticou problemas – o elevadíssimo endividamento externo e a não mais pequena dívida pública, a falta de competitividade e de crescimento – e salientou a necessidade urgente de reformas profundas no sistema político, na justiça ou na segurança social. Reformas que exigem um entendimento de longo prazo com o PS, um pedido explícito.
Não foi só um balde de água fria para os líderes do CDS e da Iniciativa Liberal. O discurso não mobilizou, Rui Rio nunca ganhou a sala. Só por uma vez arrancou palmas, quando acusou o PS e António Costa de contribuir para o enquistamento do sistema político e nada querer fazer para o reformar.
A assistência não pode ser tomada por uma amostra de todo o eleitorado PSD, mas a julgar pela escassez de entusiasmo, a tribo presente saiu ainda mais a suspirar por Passos Coelho. O homem que quando questionado pelos jornalistas sobre se a sua presença significava um regresso à vida ativa disse e repetiu “nada disso”.
A metáfora da primeira fila
Seria ingénuo pensar que a comparência do antigo primeiro-ministro durante os dois dias da convenção não tem um objetivo político. Passos Coelho podia ter ficado a assistir aos trabalhos comodamente em casa, através do streaming online. Escolheu marcar presença, sabendo que marcaria a convenção. A plateia é uma boa metáfora: não está na política ativa mas observa, agora da primeira fila, por uma oportunidade.
Igualmente ingénuo é pensar que Passos Coelho é, por si só, o bilhete da direita para regressar ao poder. Como avisou Nuno Garoupa na sua intervenção a partir de Washington, de nada vale ficar “à espera de uma versão messiânica” se a direita política não resolver os seus problemas estruturais. Entre eles a ausência de um projeto alternativo e mobilizador para o país.
Na visão de Rui Rio, cabe a cada um disputar o seu espaço – o PSD ao centro e os restantes mais à direita – e depois logo se entendem para criar uma maioria parlamentar. A tarefa não será fácil. O PS e a esquerda têm consigo a maioria dos que trabalham para o Estado e vivem dos seus crescentes apoios. Gente que o PSD perdeu depois de aplicar a receita da troika herdada do governo socialista e ainda não percebeu como reconquistar.
A esquerda apropriou-se do discurso social, da luta ambiental, do progressismo nos costumes. Não faltam causas à direita – um Estado mais eficiente, melhor gerido, que consuma menos recursos, cobre menos impostos, dê mais espaço à iniciativa privada, que crie condições para uma economia mais competitiva e criadora de riqueza. Sem isso não será possível pagar o Estado Social que a esquerda tem vindo a engordar. Só que a mensagem não colhe, o sentido de urgência não passa. Menos ainda na embriaguez dos milhões do PRR e do novo quadro de fundos europeus.
A convenção serviu bem o propósito de afirmar aquelas e outras causas, mas a direita saiu desta “aula magna” tão desunida (também em relação ao papel do Chega) e sem liderança quanto entrou.
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